Che Jesus
Jesus Cristo e Che Guevara têm mais semelhanças do que pode parecer. Pelo menos é o que pensa William Izarra, um dos principais gurus do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e um dos propagadores, junto com Heinz Dietrich, da ideologia intitulada "socialismo do século XXI".
Para ele, tanto Cristo quanto o líder guerrilheiro que ajudou a fazer a revolução cubana buscavam o bem comum, acima de suas ambições e desejos pessoais. O amor ao próximo e a espiritualidade também são fundamentos essenciais para o sucesso de uma sociedade igualitária.
CHE GUEVARA: UM SANTO GUERRILHEIRO
Um paradoxo para o ateísmo marxista. Nos panteões religiosos de alguns povoados do interior da Bolívia, é possível encontrar, entre altares repletos de imagens de Cristo e da Virgem Maria, a imagem de Che Guevara celebrada como um beato popular. Logo ele, Ernesto Guevara, o revolucionário socialista que fez do fuzil sua profissão de fé e que se tornou um símbolo peregrino da Revolução Cubana. Barbado e fitando o infinito, Che (ou San Ernesto de La Higuera, como preferem seus fiéis) responde por uma boa parcela das súplicas e das oferendas daqueles católicos bolivianos
Por mais que as autoridades e o Exército tenham tentado, durante muitos anos, desestimular quaisquer reverências à sua memória, seu mito cresceu na clandestinidade, espraiando-se como rastilho de pólvora. Embora seus ideais sejam românticos aos olhos de um mundo globalizado, ele se transformou num ícone na história das revoluções do século XX e num exemplo de coerência política. Sua morte determinou o nascimento de um mito, até hoje símbolo de resistência para os países latino-americanos.
Contam os moradores que a população formou filas por aqueles dias de outubro, há mais de quarenta anos, para observar o corpo límpido de Che, os olhos estatelados que seguiam os romeiros. Parecia com a imagem de Jesus Cristo com a qual estamos acostumados, o que alimentou as crenças que perduram até hoje.
La Higuera, seu leito de morte, ele é mais do que um santo ou um comunista que matou bolivianos: o Comandante é uma necessidade de sobrevivência para o povo pobre deste pedaço da Bolívia.
La Higuera é um vilarejo onde vivem apenas 27 famílias e a energia elétrica ainda não chegou. Não é incomum encontrar, em suas casas, inscrições alusivas a Che. Há somente uma rua, que dá, em frente da pracinha local, em uma estátua do revolucionário, sorrindo, vestido de militar e com a mão direita levantada, segurando um charuto.
A uns poucos metros acima, avista-se, em cima de uma pedra, um enorme busto do comandante, ladeado por uma cruz e onde lê-se abaixo: "Seu exemplo ilumina um novo amanhecer". Mais adiante, está a escola onde Che foi mantido preso e executado. Hoje, abriga um pequeno museu em sua memória.
Victor Vallejos, que vive em La Higuera desde que nasceu, há 38 anos. Para o homem de forte traços indígenas, não há dúvida de que San Ernesto de La Higuera, como Che é cultuado por uma parte da população da região, é, de fato, um santo milagreiro. Mas não só isso. "Conhecemos o comandante Che como um herói, que veio à Bolívia procurando uma vida melhor para todos", diz.
Victor Vallejos, que vive em La Higuera desde que nasceu, há 38 anos. Para o homem de forte traços indígenas, não há dúvida de que San Ernesto de La Higuera, como Che é cultuado por uma parte da população da região, é, de fato, um santo milagreiro. Mas não só isso. "Conhecemos o comandante Che como um herói, que veio à Bolívia procurando uma vida melhor para todos", diz.
René Villegas tinha dois anos quando mataram Che. Hoje, é diretor do Museu de La Higuera, e conta que há 20 anos realizam uma celebração no dia 8 de outubro, dia em que o Comandante caiu. “Celebramos um Che presente e espiritual”
Com a ajuda que recebe dos visitantes, planeja erigir uma placa de madeira para que os turistas não passem reto por ali. De uma forma sincera, manifesta sua devoção a San Ernesto de La Higuera: “Quando não tenho nada, rezo para o Che e, no outro dia, chegam os turistas”.
Os guerrilheiros agora usam avental branco e se chamam embaixadores da Alternativa Bolivariana para as Américas. Só médicos cubanos são 1.800 na Bolívia, dois deles trabalhando em La Higuera, com a ajuda de um cavalo que os leva às moradas mais distantes do centro hospitalar inaugurado em 14 de junho do ano passado, data do aniversário do Che. Ali, funciona também a escola e o programa de alfabetização para adultos, baseado no método de Paulo Freire “Sim, eu Posso”, que já formou a primeira turma. “Era um compromisso do Che trazer assistência médica e educação gratuitas”, diz a médica cubana Adis Espinosa.
A urgência e a impaciência que Guevara nutria para salvar vidas humanas da desnutrição e das doenças ligadas à pobreza são nobres sentimentos humanos que, ainda hoje, conservam todo o seu valor. São sentimentos dos quais tem necessidade o nosso mundo, onde o hedonismo, o individualismo e a banalidade continuam a avançar. Exato, tais sentimentos são também os que estimularam Che a trocar a medicina por uma revolução. É preciso aprender de seus erros.
Com a ajuda que recebe dos visitantes, planeja erigir uma placa de madeira para que os turistas não passem reto por ali. De uma forma sincera, manifesta sua devoção a San Ernesto de La Higuera: “Quando não tenho nada, rezo para o Che e, no outro dia, chegam os turistas”.
Os guerrilheiros agora usam avental branco e se chamam embaixadores da Alternativa Bolivariana para as Américas. Só médicos cubanos são 1.800 na Bolívia, dois deles trabalhando em La Higuera, com a ajuda de um cavalo que os leva às moradas mais distantes do centro hospitalar inaugurado em 14 de junho do ano passado, data do aniversário do Che. Ali, funciona também a escola e o programa de alfabetização para adultos, baseado no método de Paulo Freire “Sim, eu Posso”, que já formou a primeira turma. “Era um compromisso do Che trazer assistência médica e educação gratuitas”, diz a médica cubana Adis Espinosa.
A urgência e a impaciência que Guevara nutria para salvar vidas humanas da desnutrição e das doenças ligadas à pobreza são nobres sentimentos humanos que, ainda hoje, conservam todo o seu valor. São sentimentos dos quais tem necessidade o nosso mundo, onde o hedonismo, o individualismo e a banalidade continuam a avançar. Exato, tais sentimentos são também os que estimularam Che a trocar a medicina por uma revolução. É preciso aprender de seus erros.
Além do mais, é vivo – e continua a criar confusão – o paralelo entre Guevara e Jesus Cristo, amparado em uma famosa foto onde o cadáver do guerrilheiro se assemelha, de maneira impressionante, ao Cristo morto de Mantegna (Andrea Mantegna, pintor italiano do séc. 15, ndr).
Guevara, “homem que quis carregar todos os homens” (Ítalo Calvino) e que se sacrificou por este ideal, agradou e continua a agradar muito aos católicos de esquerda.
Alguns teólogos da libertação, inspirados por uma profunda e sincera mística da pobreza, chegam a venerar Che como um santo, quando não como o verdadeiro Cristo libertador. Frei Betto, publicou, em julho, na agência Adital, uma “Carta aberta a Che”, que parece uma autêntica oração a Deus: “Lá onde você se encontra, Che – lê-se no final – abençoe todos nós que compartilhamos de suas idéias e de sua esperança. Abençoe também os que estão fatigados, os aburguesados ou os que fizeram da luta uma profissão para o próprio benefício...”.
No modo como Che viveu e morreu existe, indubitavelmente, um forte componente de ascetismo estóico-cristão: adaptação à fadiga, às privações, à dor, à recusa ao luxo e aos prazeres sofisticados. Também a sua utopia evoca à mente o cristianismo primitivo. Mas transformá-lo em um modelo cristão é demais! Che considerava Cristo como um revolucionário falido e acreditava piamente na violência, nos processos e nas execuções sumárias de potenciais inimigos da revolução. Como ateu materialista, sacrificava-se unicamente para criar o paraíso neste mundo. A sua libertação era terrena. A salvação eterna não lhe interessava.
Mais do que um santo, Che foi e permanece um herói romântico e internacionalista, um tipo de homem que tem algo em comum com o santo. Disse-o magnificamente Angel Rama, em um breve texto, dentro da antologia Guevariana: “O heroísmo produz a mesma luz fascinante e o mesmo pânico da santidade, porque é feito da mesma atroz enormidade e provoca, no imenso coro de nós, que assistimos à tragédia, a terrível consciência de sermos os destinatários daquele sacrifício”.
Mas o aspecto talvez mais vivo e politicamente influente de Che é o seu patriotismo latino-americano, finalmente liberto da gaiola dogmático-ideológica. Desde os anos da juventude, Che Guevara concebeu a América Latina, desde o Rio Bravo até a Terra do Fogo, como uma grande nação única, destinada a se unir e conquistar plena soberania. Che Guevara era argentino de nascimento, mas se sentia sobretudo latino-americano. O seu anti-imperialismo visceral, antes de se revestir de marxismo, procedia da tradição dos grandes homens da América: Simon Bolivar, Ruben Darío, José Martí.
Quando Che uniu-se à revolução cubana, assim o fez neste espírito; na época, ainda não se tinha transformado em marxista. Também Fidel Castro se movia neste sulco: quando comandava a guerrilha na Sierra Maestra, o Partido comunista cubano considerava-o apenas um bem intencionado aventureiro, cujas táticas não poderiam ter sucesso. Antes de se aproximar de Moscou, Castro queria “assegurar ao povo um regime de justiça social, baseado na democracia popular e na soberania política e econômica”, e já pensava na criação de um mercado único latino-americano.
A integração política e econômica da América Latina, a formação de um grande Estado continental nas terras libertadas por Bolivar, é uma idéia ainda viva, que assume força cada vez maior. A História caminha nesta direção. O historiador católico uruguaio Alberto Methol Ferré falou de uma “segunda fase da luta pela independência”, em cujo término haverá aquela unificação que o Libertador não conseguiu realizar. Cada latino-americano, ao menos nesta aspiração, pode reconhecer-se em Che Guevara.
Guevara, “homem que quis carregar todos os homens” (Ítalo Calvino) e que se sacrificou por este ideal, agradou e continua a agradar muito aos católicos de esquerda.
Alguns teólogos da libertação, inspirados por uma profunda e sincera mística da pobreza, chegam a venerar Che como um santo, quando não como o verdadeiro Cristo libertador. Frei Betto, publicou, em julho, na agência Adital, uma “Carta aberta a Che”, que parece uma autêntica oração a Deus: “Lá onde você se encontra, Che – lê-se no final – abençoe todos nós que compartilhamos de suas idéias e de sua esperança. Abençoe também os que estão fatigados, os aburguesados ou os que fizeram da luta uma profissão para o próprio benefício...”.
No modo como Che viveu e morreu existe, indubitavelmente, um forte componente de ascetismo estóico-cristão: adaptação à fadiga, às privações, à dor, à recusa ao luxo e aos prazeres sofisticados. Também a sua utopia evoca à mente o cristianismo primitivo. Mas transformá-lo em um modelo cristão é demais! Che considerava Cristo como um revolucionário falido e acreditava piamente na violência, nos processos e nas execuções sumárias de potenciais inimigos da revolução. Como ateu materialista, sacrificava-se unicamente para criar o paraíso neste mundo. A sua libertação era terrena. A salvação eterna não lhe interessava.
Mais do que um santo, Che foi e permanece um herói romântico e internacionalista, um tipo de homem que tem algo em comum com o santo. Disse-o magnificamente Angel Rama, em um breve texto, dentro da antologia Guevariana: “O heroísmo produz a mesma luz fascinante e o mesmo pânico da santidade, porque é feito da mesma atroz enormidade e provoca, no imenso coro de nós, que assistimos à tragédia, a terrível consciência de sermos os destinatários daquele sacrifício”.
Mas o aspecto talvez mais vivo e politicamente influente de Che é o seu patriotismo latino-americano, finalmente liberto da gaiola dogmático-ideológica. Desde os anos da juventude, Che Guevara concebeu a América Latina, desde o Rio Bravo até a Terra do Fogo, como uma grande nação única, destinada a se unir e conquistar plena soberania. Che Guevara era argentino de nascimento, mas se sentia sobretudo latino-americano. O seu anti-imperialismo visceral, antes de se revestir de marxismo, procedia da tradição dos grandes homens da América: Simon Bolivar, Ruben Darío, José Martí.
Quando Che uniu-se à revolução cubana, assim o fez neste espírito; na época, ainda não se tinha transformado em marxista. Também Fidel Castro se movia neste sulco: quando comandava a guerrilha na Sierra Maestra, o Partido comunista cubano considerava-o apenas um bem intencionado aventureiro, cujas táticas não poderiam ter sucesso. Antes de se aproximar de Moscou, Castro queria “assegurar ao povo um regime de justiça social, baseado na democracia popular e na soberania política e econômica”, e já pensava na criação de um mercado único latino-americano.
A integração política e econômica da América Latina, a formação de um grande Estado continental nas terras libertadas por Bolivar, é uma idéia ainda viva, que assume força cada vez maior. A História caminha nesta direção. O historiador católico uruguaio Alberto Methol Ferré falou de uma “segunda fase da luta pela independência”, em cujo término haverá aquela unificação que o Libertador não conseguiu realizar. Cada latino-americano, ao menos nesta aspiração, pode reconhecer-se em Che Guevara.
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