terça-feira, 14 de junho de 2011

Mais 600 milhões de famintos

Impactos das mudanças climáticas devem aumentar o problema da fome no mundo nas próximas décadas.

Nas próximas décadas, o mundo poderá ter 600 milhões de pessoas a mais passando fome, em função, principalmente, das mudanças climáticas. O aumento da população, que deve passar dos atuais 7 para 9 bilhões até 2050, e a perda de produtividade na agricultura, em função das alterações do clima, poderão ser os grandes vilões da elevação do preço dos alimentos. O quadro preocupante foi apresentado no início deste ano pela organização internacional Oxfam. No estudo “Quem vai alimentar o mundo”, os pesquisadores revelam que deve haver alta nos preços e restrições para populações mais pobres. A entidade estima que, em 40 anos, a demanda pela produção de comida terá um crescimento de 70%.

O estudo é um alerta para que os países comecem já a alterar este quadro e a investir em uma agricultura sustentável que não traga mais prejuízos ao meio ambiente. Mudanças climáticas já começam a afetar algumas regiões do globo – a desertificação da África Subsaariana e de partes da China é um exemplo. No Brasil, fenômeno semelhante ocorre na região Nordeste e também em áreas de pastagem do gado. Segundo outro documento da Oxfam, a demanda por água aumentará em 30% em 20 anos. Estas alterações poderão fazer com que o preço dos alimentos dobre e que os pobres gastem até 90% dos recursos apenas com essa necessidade.

Distribuição

Hoje há quase 1 bilhão de pessoas passando fome no mundo, metade na Ásia. Mas, proporcionalmente, a África abriga maior parcela de famintos – há países com 69% da população desnutrida. Há relativo consenso entre analistas de que a insegurança alimentar hoje ocorre em função de decisões políticas e econômicas, já que o mundo é capaz de alimentar todo o globo. O problema está na distribuição e não na produção. A grande questão é que, se esta tendência obscura se confirmar, os alimento vão ficar proibitivamente mais caros, fazendo com que a falta de renda para acessar a comida fique mais dramática. Além disso, cerca de um terço do alimento produzido é desperdiçado. É provável que populações mais carentes não consigam consumir legumes, verduras e frutas.

Segundo uma das autoras do estudo da Oxfam Gine Zwart, para os consumidores pobres, que gastam até 80% de sua renda com alimentação, a alta nos preços reduz o consumo de comida. Além disso, causa a redução de gastos em outras necessidades básicas, como educação e saúde, ou venda de ativos, tais como gado ou terra. “Muitas vezes, as mulheres sofrem mais porque priorizam o consumo dos homens e são responsáveis pela compra de alimento para suas famílias. Então, sim, mais gente vai sofrer”, diz.

Fast food

Nutricionista e professora da Universidade Federal do Paraná, Islândia Bezerra argumenta que, muitas vezes, decisões econômicas afetam o valor dos alimentos. No México, boa parte da produção de milho passou a ser destinada ao mercado norte-americano de biocombustíveis e encareceu o grão em até 60% para o consumidor mexicano. A docente lembra que em países como os Estados Unidos é mais fácil para a população pobre comer fast food do que produtos in natura, reduzindo a qualidade. “Josué de Castro,autor do clássico livro Geografia da Fome, dizia que a fome é um problema histórico, causado pelos homens e para os homens. Infelizmente há um mercado negro que lucra com isso”, afirma Islândia.

Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Meio Ambiente da Unicamp, Ademar Romeiro afirma que as práticas modernas de agricultura não são sustentáveis. No futuro, isso pode resultar em avanço da produção nos biomas da Ama­­­zônia e Cerrado. Atualmente, 90 milhões de hectares no país são usados para pastagem extensiva, área que poderia gerar 300 milhões de toneladas de grãos. “A produção de 1 quilo de proteína animal exige uma área 10 vezes maior que a produção de proteína vegetal.”

Romeiro lembra que a fome ocorre principalmente pela falta de renda para comprar alimentos e não pela escassez. Ele cita estudos do ganhador do Prêmio Nobel de economia de 1998, Amartya Sem, que pesquisou grandes períodos de fome no mundo e constatou que a falta de comida não era o problema.

Renato Maluf, presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e um dos maiores estudiosos da fome no Brasil, argumenta que o aumento populacional não pode ser considerado um dos fatores geracionais da insegurança alimentar. “Esta tese já foi refutada no século passado. As causas estão na pobreza e na desigualdade social”, diz.

"A fome é um problema do poder e de vontade política."

A avaliação é de Gine Zwart, autora do estudo “Quem vai alimentar o mundo”, da Oxfam. Segundo ela, para garantir alimentos para o 1 bilhão de pessoas que passam fome no mundo, é preciso investir maciçamente nos sistemas de produção utilizados por milhões de pequenos agricultores.

"Isso vai garantir a segurança alimentar para aqueles que sofrem e contribuir amplamente para a redução da pobreza."

"Em particular, os governos dos países em desenvolvimento devem proporcionar às mulheres produtoras igualdade de acesso e recursos, promovendo o desenvolvimento sustentável da agricultura, criação de emprego e crescimento inclusivo. É preciso apoiar as pessoas vulneráveis para a adaptação às alterações climáticas, proteção social e programas de redução de riscos. Os cidadãos e os consumidores podem exigir de seus governos e das empresas que compram responsabilidade pelas ações que tomam ou não estão tomando."

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