terça-feira, 9 de agosto de 2011


O verdadeiro lugar de Amy

Com apenas um disco de sucesso, a cantora britânica está no mesmo patamar de grandes figuras do jazz, blues, soul e funk.

Todos os problemas enfrentados em sua biografia não encontravam espaço enquanto cantava. Um escudo sonoro formado por sua doce voz bloqueava as atribulações com drogas, relacionamentos, traumas e exposição pública. Eram sombras que perambulavam as beiradas do palco iluminado em busca de uma brecha para deturparem ideias e pensamentos. Promoviam um autoflagelo físico e psicológico, que manteve intacta a música e seu efeito em milhares de pessoas durante anos. Ela morreu sem nada, sozinha e vítima dos excessos, porém, era amada pelos amigos, familiares, fãs, e deixou uma obra imortal. A cantora Billie Holiday tinha 44 anos quando morreu, no dia 17 de julho de 1959, mas já está mais do que evidente que a sua triste história está longe de ser um fato isolado.

E cá estamos, em 2011, lamentando a morte de uma artista que, com apenas um disco de sucesso, conquistou o espaço ao lado de Lady Day – como Billie era chamada – e mal foi aproveitada por nós. Amy Winehouse se foi e tais palavras ainda são difíceis de serem lidas e escritas.

Esqueça um pouco a sensacionalista história dos amaldiçoados 27 anos no show business e coloque Amy em outro contexto. No cenário povoado pela já citada Billie Holiday, ao lado de Miles Davis, Charlie Parker, John Coltrane, Ray Charles, Bessie Smith, James Brown, Frank Sinatra… Assim segue uma longa lista de grandes figuras do jazz, blues, soul e funk que se afundaram em demônios interiores para viver, sofrer e morrer pela música. Artistas que foram inconsequentes, mas que nos maravilham até hoje. Carma devidamente equilibrado, não acha? Aí está o lugar de Amy Winehouse, e isso não é nenhum exagero.

O retorno para a black music

Em uma sexta-feira de outubro de 2006, uma locutora apresentava pela Radio 6, da inglesa BBC, um lançamento especial daquela semana. O “resgate da soul music” no disco de uma cantora que chegava com um single avassalador; a dúvida de ir ou não para a reabilitação. Como qualquer outro grande sucesso da black music, a composição se apropriava de um dilema do artista e surgia como um mosaico de emoções e revelações que agitavam as pistas de dança, grudavam nos ouvidos e criavam pautas para órgãos conservadores e reguladores da sociedade. Deu certo.

Sempre machucou os ouvidos a frase “resgate da soul music” associada à obra de Amy. Desde quando se deixou de ouvir soul por aí? Funciona como o reggae, um gênero mantido com as regras de sua cartilha, e que não precisa de resgate ou atualização. Ele vive por si só, do mesmo jeito que veio ao mundo. Só precisa de um pequeno e talentoso empurrão. Assim, surge o impecável álbum Back to Black e o devido reconhecimento da maravilhada locutora que escolhia a noite de sexta para falar um pouco mais sobre ele.

Quem era Amy Winehouse nesse contexto? Uma guria com pouco mais de 20 anos, tatuada, com jeitão de pin-up e um leque invejável de referências e competência que explodia pelo corpo enquanto dançava com suas pernas finas. Uma figura de traços fortes e durona, que derretia a casca toda vez que confessava como queria ser cuidada por seu homem. Ela representou um sinal de esperança para a música pop, lançando um cavalo-de-tróia no formato de disco que chegava com roupagem descolada e resumia a história das músicas produzidas em guetos e porões. “Rehab” foi a ponta do iceberg para ampliar o horizonte de uma base de ouvintes e fãs que se tornaram público em potencial para novas possibilidades sonoras. Adele está nas paradas de sucesso até hoje e agradece, assim como Duffy, Pixie Lott, Sharon Jones e outras tantas. Mas quem ganhou mesmo com isso tudo fomos nós.

A despedida

No começo do ano os brasileiros tiveram o privilégio de conferir algumas das últimas aparições em público de Amy. Olhares e ouvidos do mundo atentos com o que aconteceria em Florianópolis, Recife, São Paulo e Rio de Janeiro.

A estreia da turnê brasileira aconteceu da melhor maneira possível, com a leve brisa da praia que amenizava a noite quente em Floripa. Músicos no palco, roupas leves e brancas e surge Amy Winehouse no alto de sua timidez. Carregava uma garrafa de plástico e logo deixou claro que era água. Respirou fundo e cantou olhando para o nada.

Aqueles que compareceram ao show em busca dos típicos “bafons” de Amy ficaram um tanto decepcionados. Quem também procurava hits imediatos na linha de “Rehab”, “Me and Mr. Jones” ou “You Know I’m No Good”, também não gostaram muito. O show flutuou pelas levadas jazzísticas, cutucadas no doo-wop, ska e soul. Perfeito para ouvir na praia.

Ironia do destino, a pior música executada durante o show foi “Rehab”, justamente o clássico das multidões. Nada mais justo, uma confissão forçada que não fazia mais sentido. Ela sabia disso e, agora, nós também. Mas a história contada daqui para frente será bem diferente.

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