segunda-feira, 11 de abril de 2011


Na Escolinha nos ensinaram que Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, morreu por liderar um movimento que se revoltou contra a Coroa Portuguesa, de quem o Brasil era apenas Colônia. Por isso seria o grande mártir da independência do Brasil. Já no ensino médio a gente começa a descobrir o outro lado da história. Alguns professores compartiham, em off, o que os livros didáticos não trazem, que Tiradentes não passava de um mito fabricado.

A história é continuamente reescrita. À medida que a realidade presente muda, as interpretações acerca de um fato passado também são alteradas, buscando respostas que correspondam melhor às necessidades do tempo atual. Foi assim com a Inconfidência Mineira (1789). Poucos momentos foram tão debatidos, reescritos e apropriados quanto esse.

Durante boa parte do século XIX, a Inconfidência não assumiu lugar de destaque na historiografia brasileira. Tal situação modificou-se apenas na segunda metade do século, quando o princípio da nacionalidade tornou-se uma questão premente a ser resolvida. Urgia ao Brasil a construção de laços de pertencimento capazes de criar um sentimento nacionalista, e era fundamental encontrar os elementos fundadores da nação, construindo uma identidade que pudesse particularizá-la. Com o golpe militar que inaugurou a República em 1889, essas necessidades foram reforçadas. O regime instaurado de cima para baixo estava longe de apresentar-se como uma demanda da população em geral. Assim, era preciso legitimá-lo perante o povo, apresentando- o não como um elemento estranho à sociedade, mas sim como um desejo histórico presente havia muito tempo.

A solução para essas questões passava pela criação de um mito fundador que estabelecesse uma idéia de continuidade entre o fato presente e o passado brasileiro. Era necessário criar uma tradição republicana para a nação por meio de heróis que já tivessem ansiado pela implantação desse regime. Nessa ocasião, a Inconfidência Mineira e Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, assumiram com propriedade o papel de precursores da República.

A escolha de Tiradentes como herói nacional não é difícil de ser explicada. Com a publicação da obra de Joaquim Norberto de Souza e Silva, História da Conjuração Mineira (1873), que ressaltava o fervor religioso do personagem nos últimos momentos de sua vida, inúmeras representações simbólicas tornaram-se possíveis, aproximando-o à figura de Cristo. Outro fator importante para essa opção foi que o movimento não aconteceu efetivamente, o que poupou os inconfidentes do derramamento de sangue e os manteve imaculados. Eles foram apenas vítimas da violência, nunca agentes.

A Inconfidência como objeto passível de ser novamente apropriado permitiu à historiografia refazer as linhas gerais do levante sempre que a conjuntura política brasileira teve necessidade de reavivar o sentimento nacional. Seu legado simbólico foi retomado de tempos em tempos, mais especificamente nos momentos de rupturas históricas no decorrer do século XX. Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e até mesmo os militares de 1964, auto-intitulados “os novos inconfidentes”, apropriaram-se do fato histórico em favor de seus interesses políticos. Sob novas roupagens, o mito repetia-se incessantemente.

Contudo, não foram apenas os governos que utilizaram a influência do movimento e de seu herói. Muitas instituições também procuraram um “lugar ao sol” nessa festa de apropriações simbólicas. Foi o caso da maçonaria, que tomou Tiradentes como seu símbolo maior no Brasil ainda no século XIX. A partir de 1870, ocorreu um crescimento acelerado do número de lojas maçônicas no país e muitas delas foram batizadas de “Tiradentes”. Freqüentemente, suas bibliotecas tinham o inconfidente por patrono e até mesmo os jornais maçônicos carregavam seu nome. Já no século XX, Tiradentes pareceu ganhar em definitivo um lugar de destaque no panteão maçônico, tornando-se patrono da Academia Maçônica de Letras.

Mas por que esse mineiro poderia representar a maçonaria? Que legitimidade haveria nisso?

“Simples”, responderiam os historiadores ligados a essa organização: Tiradentes teria sido maçom, e a Inconfidência Mineira, uma conspiração maçônica em prol da libertação nacional!


Muitos maçons, historiadores ou não, aventuraram-se a escrever sobre o episódio para desvendar sua “verdadeira” história e demonstrar o papel crucial da maçonaria na definição dos acontecimentos de 1789. Em geral, essas narrativas começam demonstrando que a Inconfidência não foi um episódio regional. Tal movimento teria feito parte de um projeto internacional elaborado para tornar livres todos os povos oprimidos.

A Inconfidência, a Revolução Francesa e a Independência dos Estados Unidos seriam expressões de um mesmo fenômeno: o do anseio revolucionário por independência, democracia e liberdade que sacudiu a Europa e a América por meio das atividades maçônicas.


Desse modo, o sentimento nativista não seria suficiente para explicar os anseios dos inconfidentes pela República. Acreditar apenas nisso, segundo os escritores da maçonaria, seria “ingenuidade e romantismo”. Os conspiradores mineiros agiriam inspirados não só pela idéia de nação brasileira, mas, principalmente, pelos sentimentos de sua organização. “Mirando-se no exemplo vitorioso da revolução americana guiada por George Washington, Thomas Jefferson, etc., (...) os líderes inconfidentes questionaram o que a metrópole impunha como sendo inquestionável”, escreve o maçom Raymundo Vargas. Eles não teriam planejado uma revolta se não tivessem certeza de que os “irmãos” americanos prestariam auxílio ao restante do continente. O projeto também incluía a Europa, e a França foi o palco escolhido para os contatos que uniriam o Brasil “ao elo dessa corrente universal de liberdade”.

A narrativa maçônica apresenta-se confusa para aqueles que sabem que a instituição foi fundada no Brasil em 1801. A Inconfidência poderia caracterizar-se como um movimento maçônico se ainda não havia lojas no Brasil? De acordo com seus escritores, haveria, sim, centenas de maçons organizados em lojas, mas estas funcionavam clandestinamente, já que a ordem se encontrava proibida pela legislação portuguesa.

O relato que inaugurou a crença em uma Inconfidência de caráter maçônico partiu de Joaquim Felício dos Santos, que, curiosamente, não era maçom. Em sua obra Memórias do distrito diamantino da comarca do Serro Frio (1924), ele escreve que a “Inconfidência de Minas tinha sido dirigida pela maçonaria, Tiradentes e quase todos os conjurados eram pedreiros-livres”. Com base nessa passagem, estudiosos, maçons ou não, começaram a associar automaticamente a Inconfidência à maçonaria. Surgiu a crença de que Tiradentes, que ia muito à Bahia para refazer o sortimento de mercadorias de seu negócio, acabou, numa de suas viagens, tornando-se maçom. Ele seria o responsável pela criação de uma loja maçônica, local onde os conjurados teriam sido iniciados na organização, “introduzida por Tiradentes quando por aqui passava vindo da Bahia para Vila Rica”, escreve Tenório D’Albuquerque.

Prova maior da importância do triângulo como símbolo maçônico teria se dado no momento da execução de Tiradentes, quando o maçom e capitão Luiz Benedito de Castro não distribuiu as tropas em círculo como de costume, e sim formou um triângulo humano em torno do patíbulo. A multidão “não poderia compreender o significado simbólico daquele triângulo, mas Tiradentes, no centro dele, compreendia aquela última e singela homenagem”, descreve Raymundo Vargas.

Finalmente, as narrativas maçônicas encontram explicação também para um instigante mistério: o sumiço da cabeça de Tiradentes. A urna funerária contendo a cabeça do herói da Inconfidência teria sido retirada secretamente às altas horas da noite pelos irmãos maçons remanescentes do movimento. O roubo da cabeça seria, segundo Raymundo Vargas, uma das primeiras afrontas da maçonaria às autoridades repressoras portuguesas, mostrando-lhes que “a luta só começava”. Segundo autores maçons, não teria sido por acaso que, no mesmo local onde a cabeça de Tiradentes fora exposta, o então presidente da província mineira e grão-mestre da maçonaria brasileira em 1874 Joaquim Saldanha Marinho, em 3 de abril de 1867 ergueu uma coluna de pedra em memória do mártir maçom.

Vários outros aspectos da Inconfidência foram trabalhados pelos autores ligados à organização, tais como a personalidade maçônica do Visconde de Barbacena ou as “irrefutáveis” provas da viagem de Tiradentes à Europa para fazer contato com seus irmãos da ordem. Percebe-se que a maçonaria, por meio de seus intelectuais, construiu uma série de argumentos para não deixar dúvida quanto ao papel de destaque dessa instituição no desenrolar de todos os fatos da Conjuração. Recentemente, surgiram alguns trabalhos elaborados por historiadores maçons mais criteriosos que refutam muitas das teses aqui apresentadas. Contudo, estes ainda não foram suficientes para derrubar do imaginário maçônico a figura do herói mineiro.

De fato, existem vestígios de que maçons passaram pelas Minas setecentistas. Analisando os processos inquisitoriais luso-brasileiros de fins do século XVIII e início do XIX, encontram-se denúncias contra mineiros de Vila Rica e do Tijuco, acusados de libertinos, heréticos e maçons. Sabe-se também que muitos estudantes brasileiros em Coimbra e Montpellier iniciaram-se na maçonaria européia e trouxeram seus valores e idéias para o Brasil. Alguns deles, como José Álvares Maciel e Domingos Vidal, ajudaram nos planos dos inconfidentes.

Para além da discussão da veracidade ou não desses relatos acerca da Inconfidência, é interessante perceber de que maneira a elaboração de tal narrativa histórica favorece a instituição dos pedreiros livres. Em diversos momentos, a presença da maçonaria em território brasileiro foi questionada. Com a proclamação da República, por exemplo, a Igreja Católica perdeu o título de religião oficial do Estado e, para tentar reaver sua influência política, reforçou o combate à organização. O catolicismo oficial passou a apresentar a maçonaria como uma sociedade “estranha” à cultura brasileira, vinda de fora, representante do imperialismo e, logo, uma ameaça à soberania nacional. Mais tarde, com esses argumentos, Getúlio Vargas a colocaria na ilegalidade.

Diante de situações como essas, tornou-se fundamental para a maçonaria apresentar-se à sociedade brasileira como uma instituição que, ao contrário do que dizem seus opositores, mostra se presente há tempos em nosso território e em nossa cultura. Assim, a narrativa da Inconfidência como um movimento maçônico pode ser denominada de "tradição inventada”, expressão cunhada por Eric Hobsbawm que indica a criação de um passado com o qual se busca estabelecer uma continuidade. Construir por meio de uma historiografia uma tradição na qual os maçons teriam feito parte do momento fundador da nação brasileira é, sem dúvida, uma maneira de assegurar sua presença no Brasil. Ao associar a imagem de Tiradentes à sua, essa ordem passa a ser lembrada como a defensora dos nobres valores carregados pelo herói nacional. Mais do que uma forma de defesa, a apropriação maçônica da simbologia da Inconfidência lhe dá legitimidade perante a sociedade. Por ora, a estratégia teve êxito na medida em que a insurreição de 1789 e a atuação maçônica encontram-se, ainda hoje, intimamente associadas no imaginário popular.


A BANDEIRA MINEIRA

A origem da bandeira de Minas Gerais é mais uma prova, para os maçons, do envolvimento desta organização na Inconfidência. “Se ainda ao mais incrédulo dos incrédulos restasse um resquício de dúvida quanto à origem maçônica da Inconfidência Mineira, bastaria contemplar-lhe a bandeira”, afirma Tenório D’Albuquerque, em A bandeira maçônica dos inconfidentes. Utilizando como disfarce a idéia da Santíssima Trindade, o triângulo representaria, na verdade, a sagrada trindade da maçonaria: liberdade, igualdade e fraternidade. No interrogatório relatado nos autos da devassa, ao ser perguntado sobre o significado da bandeira, Tiradentes teria respondido “sagrada trindade” e não “santíssima”. Tal detalhe supostamente passou despercebido ao escrivão.
DISCORDÂNCIA ENTRE OS HISTORIADORES
A historiografia acadêmica encontra-se longe de um consenso acerca da participação ou não da maçonaria na Inconfidência. As hipóteses vão desde o papel central dos maçons na elaboração dos planos do levante até a negação total de sua influência na Conjuração.

Augusto de Lima Júnior ressalta o papel da maçonaria ao percebê-la como um importante elemento de ligação e comunicação dos inconfidentes com os grupos de apoio no Rio de Janeiro e na Europa. Em posição oposta está Lúcio José dos Santos, alegando que o fato de não haver nenhum vestígio da ação propriamente maçônica nos autos da devassa seria a maior prova da ausência dessa sociedade na Inconfidência. Também argumenta que, se a maçonaria possuísse prestígio suficiente a ponto de ser a idealizadora do movimento, ela teria tido forças para impedir a condenação de seus membros. Finalmente, a meio-termo entre as duas opiniões encontra-se Márcio Jardim, para quem a atuação maçônica teria sido importante, mas secundária: seu papel seria apenas o de aglutinar pessoas e idéias. O autor observa, ainda, como a maçonaria dos dias atuais se apropria da figura de Tiradentes, o que revelaria um desejo de mostrar poder acima do comum, causando lhe surpresa o fato de “boatos sobreviverem ao tempo e à evidência das provas contrárias”.

A personalidade de Tiradentes

Que Tirandentes não era líder da Inconfidência Mineira e não tinha aquela aparência de Jesus Cristo, já é mais que difundido. As mais recentes publicações sobre a Inconfidência Mineira revelam que o “homem compromissado com idéias revolucionárias e liberais do iluminismo”, era dono de escravos. E não era tão carismático e agradável como se apregoa. Sua fama era de exaltado e mal-humorado, porque não se entendia com as pessoas, era muito nervoso e com certo pendor para a polêmica. Chegou a tentar fazer tráfico de influência, com falsas promessas de trabalho para pessoas que participassem da Inconfidência Mineira.

Tiradentes, um oficial “insubordinado”

Tiradentes era militar do Regimento de Cavalaria Paga, um dos maiores motivos pelo qual é Patrono das Polícias Militares. Seu posto era o de Alferes, o equivalente à Tenente. E, olha que coisa, era um profissional de baixa remuneração, mesmo recebendo mais do que ganha um Tenente da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Tanto que uma carta de Tiradentes reivindicando aumento de salário faz parte do acervo do Museu da PM, que funciona no Batalhão do Bairro Prado, da Polícia Militar de Minas Gerais.

Apesar disso, Tiradentes não era pobre. Ao ser preso acusado de traição, tinha um patrimônio equivalente ao do ouvidor de Vila Rica, Tomás Antônio Gonzaga. É que naquela época o prestígio não era associado à riqueza, mas a títulos de fidalguia.

O Tiradentes “tiro, porrada e bomba”

Como Alferes do Regimento de Cavalaria Paga, Tiradentes desmantelou à quadrilha da Mantiqueira, um grupo de assaltantes que aterrorizava os caminhos das Minas no início da década de 1780. Quatro anos depois foi denunciado pelo padre Domingos Vidal de Barbosa Lage – que veio a se tornar seu colega de Inconfidência – por uso de violência, tirania e arbitrariedade contra um sacerdote moribundo e seu irmão.

Tiradentes pediu para sair

Insatisfeito por não conseguir promoção na carreira, e por ter perdido a função de comandante da patrulha do Caminho Novo, e ainda inconformado com o baixo salário, Tiradentes abandonou a carreira militar para se dedicar a carreira de empreendedor de obras e dono de moinho.

Nenhum comentário:

Postar um comentário