quarta-feira, 16 de dezembro de 2009



Natal: estupro, drogas e capitalismo!

Durante a Idade Média (séculos V até XV do calendário gregoriano), a Igreja Católica adquiriu um poder que, para muitos, era maior até que o antigo Império Romano do Ocidente. Por meio do controle ideológico e do monopólio da cultura eclesiástica, a Igreja de Roma, fundamentalmente urbana e centralizada, impunha seus dogmas sobre a cultura pagã (do latim pagani, ou seja, camponês) em um processo violento de aculturação, semelhante ao que os colonizadores fizeram, alguns séculos mais tarde, com os nativos da América, África e Ásia ao longo de séculos de brutal colonização.

Entre os camponeses existia, desde séculos antes do nascimento da Igreja de Roma (criada no século V d.C.), a manutenção de uma forte tradição cultural pagã greco-romana, pré-cristã, que associava elementos da cultura bárbaro-germânica, onde rituais e crenças não aceitos pelo clero eram mantidos.

Porém, a Igreja de Roma fez mais que simplesmente esmagar essas tradições populares. Ela se utilizou da força dessas tradições culturais presentes no imaginário coletivo para fortalecer a si mesma. É o caso da definição do nascimento de Cristo, historicamente imprecisa, e a celebração do Natal que a Igreja Católica fez coincindirem com uma antiga comemoração pagã da época dos romanos, em homenagem a Saturno (que era deus do Tempo, assim como Cronos, para os gregos).

As festas romanas em homenagem a Saturno, também chamadas de Saturnais (que se iniciavam no dia 17 de dezembro e seguiam por mais sete dias, sendo que até mesmo as guerras eram suspensas para as comemorações), comemorando o solstício de inverno, assim como outras festas pagãs, eram repletas de elementos da natureza e de facetas explicitamente sexuais (como a festa do Entrudo, por exemplo). Os católicos recriminavam tanto o apego aos elementos naturais quanto aos elementos sexuais.

Porém, a tradição dessas festas estava de tal forma enraizada na cultura popular dos camponeses que a Igreja de Roma precisou domá-las não simplesmente proibindo sua comemoração e matando quem fugisse às regras. Isso poderia gerar perda de apoio ao invés de obtenção. O aconteceu foi que a Igreja romana assimilou a data das festas para seu calendário e impôs uma comemoração a respeito de algo fictício (a materialização de Deus em homem), de modo que pudesse reforçar ainda mais o seu poder.

A origem do Natal está na violenta dominação do cristianismo sobre as outras culturas. Todo calendário é uma forma de controle social. Ao controlar o tempo, controla-se também a maneira como as pessoa vivem, produzem, pensam, etc. Objetivando cristianizar a cultura pagã européia por meio do controle do tempo, no ano 324 d.C., o Papa Júlio I instituiu a comemoração do Natal, sacramentando a data do suposto nascimento de Cristo no dia 25 de dezembro. Há outra versão que defende que a primeira celebração do Natal de maneira semelhante como acontece atualmente, deu-se pela primeira vez no ano de 336 d.C.

Trata-se, em todo caso, de uma data criada para garantir a dominação da Igreja de Roma sobre as demais culturas. A data, etretanto, não foi escolhida aleatoriamente. Além das Saturnais, na Mesopotâmia o Natal já era celebrado por meio de um festival simbolizando, na verdade, a passagem de um ano para outro. A própria simbologia natalina reflete este projeto bem sucedido de dominação da Igreja Católica sobre as demais culturas.

No Egito antigo, os tamarindos eram considerados símbolos da vida e, no solstíco de inverno, seus ramos eram colocados dentro das casas e adornados. Adornar uma árvore com guirlandas (coroas de flores) sobre as portas, ou seja, montar uma árvore de Natal era algo que já ocorria nos rituais em homenagem ao deus Odin, dos povos nórdicos.

O azevinho, o visco e a hera eram todas ervas consideradas mágicas pelos druidas, pois mantinham-se verdes em pleno inverno. As guirlandas, feitas de visgo, eram plantas medicinais utilizados pelos druidas. Estes também penduravam maçãs douradas nos carvalhos para as comemorações. Na época escolhida por Júlio I para se comemorar o Natal, ou seja, no solstício de inverno, as guirlandas eram penduradas nas portas casas e ornamentavam as árvores. Já entre os pagãos romanos, adorava-se a Saturno e enfeitava-se carvalhos.

A vidima era embelezada em homenagem a Baco, assim como as oliverias para a deusa Minerva. As comemorações do Natal são frutos, portanto, de um projeto explicto de dominação católica sobre os territórios do antigo Império Romano e até além dele. Para isso, era fundamental substituir as culturas existentes até então pela cultura que garantisse o poder da Igreja de Roma, a única instituição sólida da Europa ocidental ao longo da Idade Média.

É isso que faz com que o Deus que havia se tornado homem se tornasse central na concepção de mundo cristã. Isso garante a vitória da religião por meio de uma cronologia e de um controle de tempo baseado em Cristo. Ao controlar o tempo, a Igeja de Roma controlava as pessoas. O sistema cronológico da Era Cristã surge em Roma, no ano de 525 d.C., pelo ábade Dioniso, o Pequeno.

Seu fundamento é o nascimento de Cristo, fato que teria ocorrido supostamente em 25 de dezembro. Porém o início do primeiro ano cristão houvera sido adiado para o 1° de janeiro seguinte. Dioniso pretendia coincidí-lo com o ponto de partida do calendário romano. O Anno Domini (Ano do Senhor), foi calculado como sendo o 754 do cálculo romano, que começa com a fundação da cidade de Roma, em 753 a.C.

Dessa forma, o calendário cristão não se inicia com o ano do pretenso nascimento de Cristo, e sim com o seguinte, considerado o ano I. Não houve um ano 0. Nem há sequer essa representação numérica nos algarismos romanos e demoraria ainda alguns séculos para a Europa entrar em contato com os algarismos arábicos.

Desse fato temos, até hoje, que todo fim de época no calendário cristão termina em ?00?. O ?00? representa o fim, e o ?01? o começo.

Na verdade, a grande inovação de Dioniso foi fornecer ao cristianismo uma data inaugural para a vida coletiva dos cristãos, algo como um marco fundador da identidade cultural cristã. Apenas a partir do pontificado de João XIII (965-972) que o calendário de Dioniso passou a ser utilizado pela cúpula católica, mas somente no século XV ele se tornou oficial. Entretanto, apresenta um grave equívoco no seu fundamento, pois Dioniso errou seus cálculos sobre o suposto nascimento de Jesus Cristo. Caso tenha ocorrido, isso se deu entre 4 e 7 a.C., provavelmente no ano chamado de 6 a.C. Desse erro, conclui-se, obviamente, que todo o calendário cristão está errado.

Quando em 1582, já no século XVI, o Papa Gregório XIII ordenou uma reforma no calendário (dando origem ao calendário gregoriano) sabia-se do problema, mas não foi solucionado para não ter conseqüências negativas para as práticas dos fiéis e suas concepções religiosoas. Após a reforma gregoriana, surgia o calendário que ainda hoje é utilizado em grande parte do mundo.

Dessa forma, o Natal é um erro em si! Recentemente, assistimos atônitos à ascenção ao principal cargo da Igreja Católica um antigo membro da Juventude Hitlerista, Joseph Hatzinger, agora denominado Papa Bento XVI. Se compararmos sua história com a da Igreja de Roma verificaremos que não há muito de contraditório em um antigo defensor do Nazismo comandá-la. Antes de ser Papa, ele era o principal homem da Congregação para a Doutrina da Fé (a mesma Santa Inquisição, das famosas torturas e ?autos de fé?, sob outro nome). Desde que assumiu o papado, Hatzinger faz declarações de caráter ultra-reacionário contra a liberdade de escolha do ser humano em questões estritamente pessoais, como aborto, opção sexual, etc. Enfim, nenhuma surpresa. O fato é que, em dezembro de 2005, ele esboçou algumas críticas ao consumismo que assola o Natal.

Dessa situação podemos perceber que a hipocrisia (principal pilar do cristianismo e de outras religiões) está fortemente inserida nos discursos de Hatzinger. Afinal, no mesmo mês, próximo ao Natal, ele desfilou com a touquinha do Papai Noel defendendo a magia da sacro-data. Ora, qualquer cristão minimamente bem informado sabe que o Papai Noel é o expoente máximo do consumismo. Há inúmeras tradições folclóricas a respeito da origem do ?bom velhinho?. Uma delas afirma que ele é oriundo da região de Constantinopla (atual Istambúl, Turquia), capital do antigo Império Bizantino, e seu mito foi baseado em um bispo da Igreja Cristã Ortodoxa que viveu na cidade de Myra, na Ásia Menor. Tratava-se de Nicolau (281-350 d.C.).

Herdeiro de uma vasta riqueza, distirbuiu alimentos, roupas e presentes aos pobres. Às vezes dava simplesmente dinheiro. Os presentes eram sempre acompanhados de uma mensagem para que os afortunados agradecessem a Jesus pela dádiva. O período do ano em que mais distribuia suas doações era no inverno, pois sabia que era quando os pobres morriam mais. O bispo Nicolau também era conhecido conhecido pelo extremo carinho que com que se entregava às crianças. Em sua homenagem foi criado o costume de se distribuir presentes às crianças pobres ao longo de dezembro, mês de aniversário do bispo, coincidindo com as comemorações do Natal que a Igreja Romana impunha a todas as regiões.

Essa doação de presentes foi cristalizada a partir do século VII, com Papa Bonifácio. Em pregação pela Turíngia (região da Alemanha), ele distribuia pão benzido aos necessitados em troca de presentes, no dia 25 de dezembro. No século XVI, com a Reforma Protestante e a Contra-Reforma Católica, a homenagem a São Nicolau (St. Nicholas) se enfraqueceu na Europa.
Na Holanda, entretanto, o mito persistiu, mas agora o antigo bispo era chamado de Sinter Klass, significando ?homem que adora crianças?.

Ainda sob a sombra dos conflitos religiosos na Europa, levas de imigrantes partem para outros continentes. No século XVII, a lenda de Sinter Klass, aportou com holandeses nas 13 Colônias (atual EUA), na região de Nova Amsterdã (atual Nova Yorke) e São Nicolau foi rebatizado como Santa Claus (uma alteração fonética natural oriunda do termo alemão ?Sankt Niklaus? e do termo holandês ?Sinterklass?, significando em português, literalmente, Papai Natal).

Desde então, até a primeira metade do século XX, as representações do Papai Noel demonstravam-no como um gnomo de barba branca. Ele também já foi descrito como alto e magro. Já vestiu roupa de cor verde, azul, amarelo e até mesmo marrom. Havia também, até a década de 20 do século XIX, a imagem de um Papai Noel como um bispo raquítico que visitava crianças para lhes dar tanto disciplina quanto presentes, sendo que suas ações não ocorriam necessariamente durante o Natal.

No ano de 1823, Clement Clarke Moore popularizou a versão do velho Noel chegando num trenó voador puxado por oito delicadas renas no poema ?Account of a Visit from St. Nicholas?, mais conhecido como ?The Night Before Christmas?.

Deixando de lado a possibilidade de, na verdade, esse poema ser de autoria de Henry Livingston Jr. (que o publicou, em 1823, num jornal de Nova Yorke), na composição de Moore, cuja autoria ele reinvindica somente em 1837, São Nicolau é apresentado como um velho gordo e alegre fazendo gracinhas com seu cachimbo.

Já é fato conhecido que Moore se baseou fortemente em fontes literárias populares, principalmente em ?Knickerbocker History? (1809), de Washington Irving, e um poema natalino chamado ?The Children?s Friend? (1821). O primeiro poema é uma sátria aos holandeses em Nova Yorke, onde é apresentada a lendária figura de St. Nicholas, (o Sinter Klass holandês), um velho severo de trajes escuros que entregava presentes às crianças uma vez ao ano.

Já no segundo poema, surge pela primeira vez a figura de um trenó e de renas. Esses poemas certamente influenciaram Moore. Em sua obra, supostamente composta para sua filha de seis anos, o autor revive a maioria das descrições dos cidadãos holandeses reproduzidas nos contos da época: gordos, felizes, com suas longas barbas brancas, alguns de casacos vermelhos, botas e cintos de couro. É com essa imagem que ele substitui a de um St. Nicholas sisudo por um bonachão agradável. Sobre as renas, vale dizer ainda que a rena do nariz vermelho surgiu após as demais.

Baseando-se no mito popular sobre Rollo (ou Reginald), uma rena com um nariz brilhante como um farol que guiava o Papai Noel ao longo da noite, Robert L. May, funcionário da rede de lojas de departamento Montgomery Ward, criou, em 1939, ?Rudolph the Red-Nosed Reindeer?.

Apesar das restrições de Sewell Avery, presidente da rede, quanto à possibilidade de associarem o nariz vermelho às drogas e ao alto consumo de bebidas alcoólicas, May convenceu a rede de lojas a adotar a rena como uma espécie de adorno de propaganda para a loja. Deu certo! Já no ano de sua criação, 2.4 milhões de pessoas possuiam uma rena do nariz vermelho em suas casas.

Em 1946, a Rudolph já estava presente em mais de 6 milhões de lares. Voltando ao Santa Claus, em 1848, Theodore C. Boyd realiza a primeira ilustração do ?bom velhinho? separada do livro de Moore.

É interessante que, em sua gravura, as referências com as imagens contemporâneas são escassas. O Papai Noel anda sobre chaminés, possui uma enorme barriga sem ser gordo (característica típica de beberrões) e uma barba branca. De resto, não possui bigode, não calça botas. As únicas peças de sua indumentária que remetem ao inverno são um casaco supostamente vermelho e um chapéu preto.

Chama a atenção o fato de ele possuir características físicas típicas de um duende: orelha pontuda, mãos pequenas com dedos tortos e unhas afiadas, nariz longo e afinado, olhos pequenos, um sorriso esticado e sombrio, um cachimbo (tal como aparece no poema de Moore) e um saco de brinquedos que parece feito de galhos e folhas.

Em 1863, o cartunista norte-americano Thomas Nast também optou por dar formas ao personagem relatado no poema de Moore e desenhou, no Harper?s Weekly (antigo semanário dos EUA), um velhinho com traços humanos bonachão, de barba e bigode brancas, de enorme barriga e carregando dezenas de brinquedos, além de um longo cachimbo com o qual ele se diverte com a fumaça. Ao invés de um saco, ele porta uma mochila e em sua cabeça há uma espécie de gorro coberto por folhas. Em todo caso, a imagem de um gnomo barbudo é definitivamente solapada somente na década de 30 do século XX.

Em meio à Grande Depressão, a Coca-Cola começou a utilizar a imagem do Papai Noel para realizar sua agressiva publicidade. A marca de refrigerantes surgira em 1886, em Atlanta, Geórgia, EUA (onde, em 8 de março, vendeu sua primeira garrafa de refrigerante por apenas US$ 0,05), criada pelo farmacêutico John S. Pemberton, que produzia uma espécie de xarope que prometia curar ?todos os males da alma e do corpo?.

No ano de 1887, o farmacêutico vendeu a fórmula secreta a Asa Griggs Candler, por US$ 2.300. Este, sem perder tempo, criou a The Coca-Cola Company. Seguidor da Igreja Metodista, Candler, conseguiu se eleger prefeito de Atlanta em 1916. No ano de 1919, ele vende a The Coca-Cola Company para Ernest Woodruff e alguns investidores. Recentemente foi comprovado o uso da folha de coca (matéria-prima da cocaína) na composição da ?fórmula secreta? do refrigerante que leva o nome da empresa. A presença de cocaína ainda não foi comprovada pois a Coca-Cola se nega a revelar a totalidade da ?fórmula?.

Vale lembrar que além de tratar ?todos os males da alma e do corpo?, o efeito corrosivo do refrigerante o torna ótimo para desentupir pias! Em pouco tempo a empresa se alastraria para o planeta. Mesmo que para isso não seguisse os procedimentos juridicamente apropriados. No Brasil, por exemplo, a empresa começa a atuar ilegalmente em 1941, sendo produzida de forma clandestina pela Fábrica de Água Mineral Santa Clara, em Recife (Pernambuco), e, posteriormente, também em Natal (Rio Grande do Norte). Na época, inúmeros soldados brasileiros e norte-americanos circulavam pela região, conhecida como ?Corredor da Vitória?, ponto de parada dos navios que se dirigiam para a o norte da África e sul da Europa durante a Segunda Guerra Mundial (1939-45).

A empresa só veio a atuar legalmente no Brasil em 1942, quando foi montada a fábrica da Companhia no Rio de Janeiro, a ?Rio de Janeiro Refrescos?, que produzia garrafinhas de Coca-Cola 185 ml. Antes mesmo da Segunda Guerra Mundial, no ano de 1931, a Coca Cola inicia uma polêmica campanha de publicidade para adestrar crianças e torná-las consumidoras eternas. Nesse ano, a empresa contrata o artista gráfico alcoólatra Haddon Sundblon para formular uma campanha publicitária baseada na cultura popular e que garantisse que o público menor de 12 anos chegasse em uma idade avançada vendo na Coca-Cola a materialização da paz universal, mesmo em tempos de crises. Para tanto, Sundblon remodela a imagem do Papai Noel cristalizando a figura de um velho bonachão, carinhoso, sorridente, eternamente alegre, ligeiramente engraçado por ser desajeitado (ébrio, quem sabe?), e, acima de tudo, vestido de vermelho e bebendo uma deliciosa e refrescante Coca-Cola após gerar felicidade para todas as crianças bem comportadas.

A campanha começou a ser veiculada na revista Saturday Evening Post (suplemento semanal de um diário dos EUA com o mesmo nome). Basicamente, o que vemos no atual Papai Noel nada mais é do que o garoto propaganda de uma das maiores empresas do mundo, um ícone da cultura comercial contemporânea. É a apropriação do Capital sobre a cultura popular. A Coca-Cola Company, astutamente, não registrou a imagem do ?bom velhinho?, garantindo dessa forma uma maior divulgação de um de seus principais propagandistas. Para refazer a figura do Santa Claus, Haddon Sundblon se inspirou em um amigo seu, o vendedor aposentado Lou Prentice.

Ele serviu de modelo para Sundblon pintar seus quadros para a Coca-Cola entre 1933 e 1936. Não apenas o amigo de Sundblon era retratado, como as crianças presentes nos anúncios eram filhos e netos do pintor. Após a morte de Lou Prentice, Sundblon passou a retratar a si mesmo nas imagens. Seus traços nórdicos e sua face constantemente ruborizada pela intensa ingestão de bebidas alcoólicas contribuiram para sua arte. Até o ano de 1966 suas pinturas foram utilizadas pela Coca-Cola. Dessa forma, a mensagem do Papa Bento XVI contra o consumismo usando um gorrinho de Santa Claus é de uma hipocrisia indescritível.

Era a Coca-Cola que estava na cabeça do Papa. É em nome da perpetuação do Capitalismo que ele atua. Basicamente, ele abençoou o fato de nossas comemorações acontecerem da maneira como uma empresa ordenou que elas ocorressem. Há uma outra versão, defendendo que antes de existir o Papai Noel da Coca-Cola, a origem deste Papai Burguês se deu nas lojas da Macy's (uma das principais redes de lojas de departamentos do mundo, sediada em São Francisco, Califórnia, EUA). Segundo esta versão, com a intenção de intensificar suas vendas, a Macy?s desenterrou uma lenda alemã de ?Sankt Niklaus? e, a partir dela, criou o Papai Noel mais aproximado com a imagem contemporânea. À Coca-Cola coube, portanto, universalizar definitivamente a idéia, recriando sua imagem da forma como a conhecemos hoje.

Tanto é que não nos damos Coca-Cola de presente no Natal, mas sim roupas, brinquedos, etc., todos produtos existentes nas mega-lojas da Macy's. Em todo caso, tanto em uma versão quanto em outra, vemos nosso pensamento e nossa forma de se relacionar com os outros mediados por uma mercadoria. O Papai Noel, assim como a rena de nariz vermelho, é apenas um logotipo de uma empresa que nos provoca poluição mental há décadas. Nossa sociabilidade existe apenas se comandada por uma empresa que nos escraviza com suas mercadorias. Somos transformados em uma mercadoria, somos consumíveis. Sem a mercadoria, o que seria do Natal hoje?...

Toda essa longa reflexão sobre as supostas origens do Natal têm por objetivo chamar a atenção para o que se tornou essa comemoração. Consumo! Apenas consumo! Nas últimas semanas, as pessoas flagram a si mesmas extremamente preocupadas com o que irá comprar ou ganhar. Os próprios religiosos aceitam isso tranqüilamente. Afinal, conforme demonstrado acima, o cristianismo só conseguiu se manter firme ao longo de séculos se apropriando de culturas populares e esmagando aqueles que não seguissem seus dogmas. O ícone do Natal não é o presépio, mas sim o Shopping Center compulsivamente enfeitado. Nunca vi nenhum religioso pregando o boicote às compras.

O Natal está resumido ao acesso a novas propriedades. Os pobres e miseráveis que não têm acesso a novas propriedades devem se contentar com a luz divina e alguma instituição de caridade que distribua um sopão por aí. Talvez até daremos alguns presentes para os miseráveis morar: roupas e brinquedos velhos, nosso lixo! Ao longo do ano inteiro exigimos mais segurança contra os pobres, exigimos a pena de morte e a redução da maioridade penal, queremos ver as mulheres que fazem aborto mortas, desejamos pela morte e destruição dos favelados, sentimos ódio e medo das crianças nos faróis, porém, como agora é Natal, ficamos solidários! Onde estava toda a bondade antes do Natal e aonde ela será enfiada posteriormente?...

É mesmo um surto da síndrome de Milú Vilela! A mesma hipocrisa que Bento XVI aplica sobre o mundo está presente em cada uma das casas que comemoram o Natal, onde as pessoas sorriem e tratam com cordialidade parentes desaparecidos por tempos e, até então, mal falados nos encontros familiares. É o panegírico da falsidade e da mediocridade. As brigas que ocorrem o ano todo simplesmente são escamoteadas pela possibildiade de ganhar mais e mais propriedades. Toda a felicidade do Natal, portanto, nada mais é do que fruto da ilusão, da hipocrisia e do Capitalismo. Ilusão pois não existe em si: retira-se o comércio, não sobra nada. Esse feriado, mais do que outros, é apenas uma forma do Capital se movimentar.

A mídia veicula funcionários idiotizados e, portanto, felizes por trabalharem até ao longo da madrugada no dia 24 de dezembro, ao mesmo tempo em que há consumidores imbecilizados e, portanto, felizes por poder fazer compras na madrugada do dia 24 de dezembro. Ambos garantem a riqueza e, portanto, felicidade dos abastados donos das lojas que as abrem na madrugada do dia 24 de dezembro. Eles, obviamente, não estão nelas trabalhando. Dá uma triste sensação de que está tudo perdido. São os valores e os sentimentos das pessoas que estão sendo negociados. O Natal, assim como suas próprias vidas, passa a ser a quantidade de dinheiro que possuem na carteira. Elas se transformam em uma mercadoria. Não há Natal sem mercadoria. Ele é a celebração de toda a miséria humana, e a recebemos com um largo sorriso no rosto... Ano após ano.

Que Joseph Hatzinger abençoe a todos nós.

Por Raphael Amaral

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