terça-feira, 2 de fevereiro de 2010


Ecologia e desenvolvimento sustentável à luz da Bíblia


A definição mais aceita para desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento capaz de suprir as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade de atender as necessidades das futuras gerações. É o desenvolvimento que não esgota os recursos para o futuro.
Nosso tipo de desenvolvimento atual tende a ser insustentável, pois leva ao esgotamento dos recursos naturais dos quais a humanidade depende.

1. A terra está gemendo enquanto a alma continua “bela” (Ec 2.1)

A eco-teologia talvez seja a forma mais adequada de se fazer teologia em nosso tempo. O conceito de eco-teologia surgiu nos últimos 30 anos, a partir de uma consciência de alguns teólogos, preocupados com o esgotamento dos recursos naturais, por conta da ganância humana.

A eco-teologia parece reunir subsídios convincentemente capazes de curar a visão vesga da teologia tradicional, que sempre procurou Deus além ou fora da natureza. Isto é, sempre se preocupou com Deus longe, lá no céu, distante de sua criação.

Para Rubio, a igreja é criticada pelo mundo moderno pelo fato de sempre ter se esquecido da realidade atual para pregar apenas uma salvação no “outro mundo”. Para ele, " o cristianismo é hoje acusado de ter dado origem e de ter impulsionado o progresso com a sua atitude estúpida e suicidamente arrogante em relação ao meio ambiente ".

Nesse mesmo tom de crítica, Frei Beto disse que," enquanto a igreja prega o céu além da vida nesta terra, o consumismo acena com o céu na terra ".
Francis Bacon dizia: devemos “subjugar a natureza, pressioná-la para nos entregar seus segredos, amarrá-la a nosso serviço e fazê-la nossa escrava” .

Este paradigma ecoou durante os séculos e chegou ao nosso tempo de forma sistemática e tecnológica. Este paradigma é muito difícil de ser destruído, pois tem como principal instrumento o marketing publicitário, que desperta o desejo do consumo a partir dos olhos.

Segundo Frei Beto, "para se ter acesso a essa felicidade, basta ter acesso ao consumo que propicia segurança e conforto".

Esse vírus da modernidade contaminou-nos a todos, indistintamente. Vivemos numa pandemia tecnológica! A expressão “pandemia” significa doença que afeta a maior parte de uma população. E poucos de nós dão sinais de que estejam dispostos ao martírio da abdicação e da renúncia do consumismo aleatório.
O nosso tempo moderno parece ironicamente retroceder ao período da arte que pintava o grotesco. Como disse Frei Beto, "busca-se, avidamente, a eternização do presente; multidões malham o corpo como quem sorve o elixir da juventude". Morreremos todos, porém, saudáveis e esbeltos .

De algum modo, fazemos leitura semelhante do texto de Ec 2.1.

O autor descreve o período de sua vida em que buscava cegamente e a todo preço o “prazer da vida”. Mesmo que para isso tivesse que escravizar pessoas. O texto mostra a busca insana do prazer e a qualquer custo. Procurou o prazer na bebida (v.3); no consumismo e na riqueza (v.4); na promiscuidade (v.8); na falta de amor e no individualismo (v.9). Infelizmente, esses ingredientes que juntos formam a base do hedonismo ainda se fazem presente em nosso mundo moderno. Porém, em nosso tempo, a tecnologia chegou ao topo, com poder de agredir e explorar a terra de forma inimaginável.

É por isso que não dá para acreditar nesses tais “projetos de desenvolvimento sustentável”, até porque, quem os faz não tem interesse algum de abdicar do luxo e do aparato “tecnologicamente correto”. Portanto, a única forma para se falar de desenvolvimento sustentável a luz da Bíblia deve ser a partir da consciência cristã de que devemos todos “frear radicalmente o nosso ímpeto consumista”. Até porque autor de Eclesiastes nos ensina que, depois de experimentar tudo isso, chegou à conclusão de que tudo era ilusão.

2. O crer na providência é marca característica da vida cristã (Mt 6.25)

É comum encontrar crentes em nossas igrejas que conhecem o texto de Mt 6.25. Porém, é também comum perceber que quase todos nós temos dificuldades para aplicá-lo na prática. Isto é sinal de que nos vemos correndo ansiosamente pelos recursos materiais. Andamos ansiosos porque queremos satisfazer nossos desejos de consumo. Criamos “necessidades” que, quase sempre, são banais.

Contudo, teremos de rever nossa relação com o cosmos, especialmente, com a nossa casa (o planeta Terra). O teólogo Leonardo Boff compara nosso tempo à figura de uma nave espacial em pleno vôo. Para ele, essa nave tem recursos limitados de combustível, de alimentos e de tempo de transcurso.

1% dos passageiros viaja na primeira classe com superabundância de meios de vida, 4% na classe econômica com recursos abundantes. Os 95% restantes estão juntos às bagagens, no frio e na necessidade. Pouco importa a situação social e econômica dos passageiros. Todos correm ameaça de morte pelo esgotamento dos recursos da nave. Todos terão o mesmo destino dramático: ricos, remediados e pobres, caso não haja um acordo de sobrevivência para todos indistintamente. Desta vez, não há uma arca de Noé que salve alguns e deixe perecer os demais .

Assim, a eco-teologia assume o caráter de urgência e contemporaneidade, sugerindo-nos a necessidade de se fazer teologia a partir de um novo modelo ou de um novo objeto que, a rigor, deve ser a terra; ou seja, precisamos lembrar de que Deus está presente também na natureza. Aliás, essa é exatamente a mensagem de muitos Salmos, mostrando que Deus se faz presente em toda a natureza (Sl 19). Não podemos mais, face à irrupção da morte de nossa mãe terra e conseqüentemente de todos nós, perpetuar a atitude reticente de passividade.

Ou, como diz a música de Zé Geraldo: "tudo isso acontecendo e eu aqui na praça, dando milho aos pombos". É tempo de decisão! Paulatinamente isso vem ocorrendo. Como disse Rubio, "muitas vozes somam hoje ao imenso clamor, alcançando já espaços públicos com manifestações populares".

Críticas e culpados ecoam por todo lado. Contudo, já está superada a fase de encontrar culpados pela degradação da natureza. É verdade que os vilões da natureza são os mega-produtores de bens e serviços; mas eles não teriam necessidade de produzir tanto se não houvesse demanda. Precisamos reconhecer que estamos todos contaminados pelo vírus do consumismo. Portanto, precisamos urgentemente voltar a crer e esperar pela providência divina, assim como nos ensina Mt 6.25.

3. Crer na salvação é crer na redenção de todas as coisas (Cl 1.13)

É fundamentalmente bíblico o ensino de que a salvação proposta em Jesus Cristo não visa apenas à alma humana. O texto de Cl 1.13 mostra claramente que a salvação em Cristo alcançará até mesmo as regiões celestiais ou cósmicas. Outro texto paulino que evidencia esse ensino é o de Rm 8.19.

Há ainda a profecia do Novo Céu e na Nova Terra, anunciada por Isaías 65.17; e ainda o mesmo sentido é repetido em Ap 21.1. É nesse sentido que a eco-teologia encontra seu espaço em nosso tempo.

O conceito bíblico-teológico da redenção se mostra como relevante objeto de releitura, na tentativa de olhar a salvação proposta em Jesus Cristo muito mais além do que salvação espiritual ou i-material. É nesse sentido que o conceito de redenção cósmica se mostra tão atual. De uma vez por todas, ele tanto destrói o doentio modelo platônico de salvação da alma apenas quanto promove a idéia do novo Céu e da nova Terra. O fundamento absoluto de nossa fé cristã está da doutrina da morte e da ressurreição em glória, mas também corporal de Jesus.

Para Moltmann, "Deus não seria o criador de todas as coisas, se não quisesse a redenção de todas as coisas". Segundo ele, a visão da redenção cósmica por meio de Cristo, portanto, não é uma especulação, mas surge de forma lógica da cristologia e da antropologia.

Se faltassem esses horizontes, o Deus de Jesus Cristo não seria criador do mundo e a redenção se tornaria mito gnóstico de ódio ao corpo e ao mundo .

Ao contrário do que muitos pensam, essa releitura não significa diminuir o atributo criador e redentor de Deus; ao contrário, é afirmá-lo ainda mais. Como Calvino dizia: "a criação é o teatro da glória de Deus". Deste modo, o olhar místico, contemplativo e admirável para a natureza, obra das mãos do criador, deve causar em nós a integração entre todas as formas de vida com o cosmos. Certamente essa atitude pacífica entre humanos e natureza freará o nosso desejo ávido de “consumir”.

Considerações finais

Enquanto esperamos pelo cumprimento profético do novo Céu e da nova Terra, que tal voltarmos nossos desejos para as coisas simples e prazerosas da vida ingênua? Acho que cairia bem o conselho do Eclesiastes:

"Coma com prazer a sua comida e beba gostosamente o seu vinho; goza a vida com o amor que amas. Procure sempre parecer feliz, enquanto viver nesse mundo de ilusões; pois, tudo na vida é apenas vapor".


Rev. Adilson é pastor na IPI do Jabaquara, São Paulo, SP

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