sexta-feira, 30 de setembro de 2011


Falso profeta ambiental

Morales autoriza construção de rodovia no coração de uma reserva indígena e se indispõe com ecologistas ao dizer uma coisa e fazer outra.

Evo Morales frequenta as reuniões internacionais sobre o clima, nas quais defende fervorosamente a conservação das florestas e exige que todos os países ricos contenham suas emissões de poluentes.

“O planeta está ferido de morte, sentimos suas convulsões. Se não fizermos nada, seremos responsáveis pelo genocídio”, disse o presidente boliviano na Cúpula Climática de dezembro passado em Cancún, México.

Morales culpa habitualmente o capitalismo pela devastação do ambiente. Mas em seu próprio país, esse fervoroso defensor de Pachamama, a Mãe Terra em seu idioma materno, o aimará, Morales não é visto exatamente como um zelador do ambiente.

Contra a decisão de alguns povos indígenas que temem a perda do seu modo de vida tradicional, Morales autorizou a construção de uma rodovia no coração de uma reserva ecológica, deu luz verde para a exploração de hidrocarbonetos em outra floresta ainda intacta, abriu as portas para o uso de sementes transgênicas na Bolívia e autorizou a legalização de milhares de automóveis usados e velhos, contrabandeados por quadrilhas de bandidos do Brasil e da Argentina.

O mandatário é um “falso profeta ecologista”, acusa Rafael Quispe, dirigente do Conselho de Ayllus e Marca del Qollasuyo (Conamaq) a maior organização indígena da região andina boliviana.

Evo Morales tropeça na encruzilhada ecológica pelo fato de a Bolívia ser totalmente dependente da indústria extrativista. Cerca de 73% das exportações bolivianas no primeiro semestre deste ano foram de matérias-primas e a tendência segue em alta por conta do auge do preço dos minerais.

Com 300 quilômetros de extensão, a rodovia em construção unirá os vales andinos à Amazônia boliviana, cortando pela metade o Parque Nacional Isiboro Sécure, na Bolívia central. O parque, com 12 mil quilômetros quadrados, é o lar de três etnias indígenas: Yuracaré, Chimán e Trinitária. Os nativos vivem da caça, da pesca, da coleta de frutas e da agricultura de subsistência, um modo de vida que irremediavelmente será perdido com a derrubada da floresta virgem, diz Pedro Moye, dirigente da Central de Povos Indígenas da Bolívia Oriental (Cidob, na sigla em espanhol), outra grande organização de defesa dos índios.

Mais de 300 indígenas da Bolívia oriental começaram em 15 de agosto uma marcha de mais de 30 dias para denunciar a construção da rodovia em La Paz. A rodovia é financiada pelo governo brasileiro e deverá ser construída por empresas brasileiras.

Morales afirma que consultará os indígenas para mitigar o impacto ambiental, mas afirmou que, seja qual for o resultado dos estudos, a rodovia será construída até 2014.

Os aborígines da região estão dispostos a enfrentar “com arcos e flechas” a abertura da estrada e exigem que Morales seja consequente em seus discursos, disse Moye. A rodovia reduzirá em 10 horas a viagem entre Cocha­bam­ba, na Bolívia central e já no altiplano, e Trinidad, no noroeste e perto da fronteira brasileira, acabando com a dependência comercial e econômica do departamento (estado) boliviano de Beni com sua vizinha Santa Cruz, o motor agroindustrial boliviano e reduto oposicionista.

O governo afirma que a rodovia integrará ao mercado o departamento de Beni, que tem quase o tamanho da Grã-Bretanha e possui apenas 250 quilômetros de estradas asfaltadas. O governo acusa as organizações ambientalistas de manipularem os indígenas.


Evo Morales acumula polêmicas ecológicas

A construção da rodovia não é a única polêmica ecológica que existe atualmente na Bolívia. Evo Morales se uniu a um plano continental chamado Iniciativa para a Integração da Infraes­­trutura Regional (IIRSA), liderado pelo Brasil desde o ano 2000. Esse plano inclui 12 países e contempla uma série de projetos rodoviários e hidrelétricos, grande parte na Amazônia, a um custo total de US$ 69 bilhões.

Parte desse projeto é a construção de três hidrelétricas na Amazônia boliviana. Uma delas é a usina de Cachuela Esperanza, no noroeste do país e perto de duas usinas gigantescas que o Brasil constrói do seu lado da fronteira no Rio Madeira.

Morales encarregou a canadense Tecsult-Aecom de fazer o estudo de impacto ambiental e o desenho do projeto. Mas especialistas ambientais acusam o governo boliviano de não divulgar informações importantes sobre o impacto das hidrelétricas.

Inquietude

Os indígenas também observam inquietos os projetos de exploração petrolífera na reserva de Madidi, Amazônia boliviana, a cargo da Petróleos de Venezuela SA (PdVSA) e da estatal boliviana Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB). Eles também questionam projetos na região sulista do Chaco boliviano, terra dos guaranis, terceiro maior povo indígena do país após os quechua e aimará. A espanhola Repsol-YPF, a francesa Total, a brasileira Petrobrás e a britânica BG (British Gas) têm operações no Chaco.


”Narcoestrada”

BNDES financia a construção

Para o coordenador de comunicação da Liga de Defesa do Ambiente, Edwin Alvarado, a rodovia é um “pretexto” já que o interesse verdadeiro do governo e das empresas é a exploração petrolífera em dois blocos identificados nas terras indígenas.

O parque Isiboro Sécure é cobiçado tanto por cocaleiros quanto por agricultores, com os primeiros tentando expandir os cultivos ilegais da folha de coca. A reserva é vizinha ao Chapare, a zona cocaleira ainda liderada por Morales e cujas bases apoiam.

A Constituição promovida por Morales e aprovada em 2009 ordena a consulta aos indígenas, mas o governo autorizou a abertura da estrada sem o consentimento dos nativos e sem a licença ambiental para o trecho asfaltado que atravessará a reserva, disse Alvarado.

A polêmica rodovia será financiada pelo banco nacional de desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) do Brasil, com um crédito de US$ 415 milhões. A imprensa brasileira apelidou a rodovia de “narcoestrada” porque ligará regiões bolivianas produtoras da folha de coca a rodovias que chegam ao Brasil, maior mercado da cocaína boliviana.

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