"Cantava para não morrer"
Mercedes Sosa, morreu neste domingo.
A cantora folk argentina Mercedes Sosa, que lutou contra as ditaduras fascistas na América do Sul com a sua potente voz e se tornou numa lenda da música latino-americana, morreu aos 74 anos.
Há vários dias que Mercedes Sosa estava internada no hospital, com problemas renais.
Carinhosamente apelidada "La Negra" devido ao seu cabelo preto e à tez morena Sosa foi igualmente chamada de “voz de uma maioria silenciosa”, tendo sempre lutado pelos direitos dos mais pobres e pela liberdade política. A sua versão da música “Gracias a la Vida”, de Violeta Parra, tornou-se um hino para os esquerdistas de todo o mundo, nas décadas de 1970 e 1980, quando foi forçada a exilar-se na Europa e os seus discos foram banidos. As suas imagens de marca eram o seu cabelo comprido e os seus ponchos, que usava durante os espectáculos ao vivo, fazendo ouvir a sua voz poderosa.Nas décadas de 1960 e 1970, Sosa foi uma das expoentes máximas do politizado movimento Nuevo Cancionero, que quis levar a música folk de regresso às suas origens.
Politicamente, Sosa foi membro do Partido Comunista e as suas simpatias políticas acabaram por a obrigar ao exílio, em 1979 (ano em que Jorge Videla encabeçou a junta militar), depois de ter sido presa - bem como toda a sua audiência - durante um concerto na cidade universitária de La Plata.Sosa dizia frequentemente ser uma mulher de esquerda, mas que a sua única vocação era a música. “Eu nasci para cantar”, disse numa entrevista em 2005. “A minha vida é dedicada a cantar, a encontrar canções e a cantá-las (...) Se eu me envolvesse na política, teria que negligenciar aquilo que é mais importante para mim, a canção folk”.
Sosa nasceu o seio de uma família de trabalhadores, na província de Tucumán, a 9 de Julho de 1935. O seu primeiro contacto com a fama teve-o aos 15 anos, quando ganhou um concurso de talentos promovido por uma rádio local. Especialista em interpretar as palavras de escritores, abraçou a poesia dos grandes autores argentinos e latino-americanos. Apesar de, nos últimos anos, ter feito algumas experiências com o rock e com o tango, a sua raiz era a do folk. Era a esse estilo que voltava sempre. Em 1982 Sosa regressou ao seu país natal, percebendo nessa altura que as suas canções tinham conquistado um público jovem e uma nova geração de fãs.
Numa série de concertos que marcaram o seu regresso aos palcos, fez-se acompanhar de músicos populares argentinos, como Leon Gieco e Charly Garcia, tendo depois iniciado uma digressão mundial que passou pela Europa e pelos Estados Unidos. Aqui arrebatou uma ovação de pé durante dez minutos, após a sua actuação no Carnegie Hall de Nova Iorque.Sosa continuou a cantar até este ano, permanecendo muito popular e destronando até alguns artistas jovens nas tabelas de vendas.
O seu último álbum, Cantora (volumes 1 e 2) - uma colaboração com artistas como Shakira, Caetano Veloso, Joan Manuel Serrat e Jorge Drexler - foi um dos dez mais vendidos do ano e ganhou várias nomeações para os Grammys Latinos, que serão atribuídos no próximo mês.Durante a sua carreira, Sosa recebeu ainda uma série de galardões que lhe reconheceram a luta em prol dos direitos humanos, incluindo um Grammy Latino e um prémio da UNESCO.Há já vários anos que Mercedes Sosa se debatia com problemas de saúde, mas nunca quis largar a música.
“Não sou nova nem bonita, mas tenho a minha voz e a minha alma, que me sai quando canto”
O presidente de Israel, Shimon Peres, lamentou hoje a morte da cantora argentina Mercedes Sosa, sobre quem disse que "encarnava a libertação da América Latina e, de alguma maneira também, a decepção que trouxe consigo essa libertação".
Em declarações à imprensa, Peres lembrou que a artista argentina visitou várias vezes Israel, onde cantou em hebraico, e ressaltou que sua figura "ultrapassava os estilos e os idiomas", devido a "sua personalidade, que tinha dimensão universal".
"Vão nos faltar sua voz e seu espírito", disse.
Ricardo Martinez Froes disse hoje pela manhã que "a morte de um ser, como Mercedes Sosa, entristece os sentimentos humanos, mas, ao mesmo, engrandece-nos na luta pelo ideal de liberdade. Ela foi militante ativa contra a ditadura militar argentina nos anos 7 0 e 80, censurada, perseguida pelas suas músicas de conteúdo social forte e persuasivo".
Para o movimento sindical segundo Froes, ela sempre será um ícone da luta pelas igualdades sociais, pelo respeito ao ser humano e pela liberdade. "Assim fica seu legado de um importância muito grande como cantora e compositora que mais expressou os sentimentos de liberdade e justiça, na constante busca pela confraternização dos povos latinos-americanos", comentou. Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras Brasileiras
"Mercedes Sosa representa a perda de um símbolo do mundo latino-americano. Era uma cantora extraordinária, que levantou uma bandeira solitária de resistência. Tinha uma voz linda e influenciou muitos músicos brasileiros, principalmente na época da ditadura. Era uma artista muito respeitada e fica este exemplo". Fagner
"Gracias a la vida" da chilena Violeta Parra eternizada na voz de Mercedes Sosa ecoava como um hino pelo Parlamento. Os versos que arrepiavam o país nunca fizeram tanto sentido.
"Gracias a la vida que me ha dado tanto/Me ha dado la risa y me ha dado el llanto/Así yo distingo dicha de quebranto/Los dos materiales que forman mi canto/Y el canto de ustedes que es el mismo canto/Y el canto de todos que es mi propio canto/Gracias a la vida/Gracias a la vida...".
"Tínhamos uma relação praticamente de mãe e filho. Ela me protegia quando eu estava mal. Preocupava-se. Elogiava quando estava bem. Dava conselhos protectores a todos", conta Maradona.
Mercedes Sosa notabilizou-se, sobretudo na década de 1970, pelas atitudes humanistas, condizentes com o conteúdo social e político das canções libertárias, ora ternas, ora indignadas, que interpretava, como "La Carta" (Violeta Parra), "Cuando Tenga a la Tierra" (Daniel Toro/Ariel Petrocelli), "Canción para mi América" (Daniel Viglietti), "Canción con Todos" (A.Tejada Gómez/C.Isella), "Si se Calla el Cantor" (Horácio Guarany) e "Plegaria a un Labrador" (Victor Jara)
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