terça-feira, 14 de julho de 2009


A teologia da libertação é uma corrente teológica que engloba diversas teologias cristãs desenvolvidas no Terceiro Mundo ou nas periferias pobres do Primeiro Mundo a partir dos anos 70 do século XX, baseadas na opção pelos pobres contra a pobreza e pela sua libertação. Desenvolveu-se inicialmente na América Latina.

Estas teologias utilizam como ponto de partida de sua reflexão a situação de pobreza e exclusão social à luz da fé cristã. Esta situação é interpretada como produto de estruturas econômicas e sociais injustas, influenciada pela visão das ciências sociais, sobretudo a Teoria da Dependência na América Latina, que possui inspiração marxista.

A situação de pobreza é denunciada como pecado estrutural e estas teologias propõem o engajamento político dos cristãos na construção de uma sociedade mais justa e solidária, cujo projeto identifica-se com ideais da esquerda. Uma característica da Teologia da Libertação é considerar o pobre, não um objeto de caridade, mas sujeito de sua própria libertação. Assim, seus teólogos propõem uma pastoral baseada nas comunidades eclesiais de base, nas quais os cristãos das classes populares se reúnem para articular fé e vida, e juntos se organizam em busca de melhorias de suas condições sociais, através da militância no movimento social ou através da política, tornando-se protagonistas do processo de libertação. Além disto, apresentam as Comunidades Eclesiais de Base como uma nova forma de ser igreja, com forte vivência comunitária, solidária e participativa.

Por seu método e opções políticas, trata-se de uma teologia extremamente controversa, tanto pelas suas implicações nas igrejas quanto na sociedade. A partir dos anos 1980, com a redemocratização das sociedades latino-americanas e a queda do muro de Berlim com conseqüente crise das esquerdas e as transformações sociais e econômicas provocadas pela globalização e o avanço do neoliberalismo esta teologia perdeu parte de sua combatividade política e social.

Foi a partir do engajamento de grupos cristãos na política que surgiu a Teologia da Libertação, como uma reflexão teórica destas experiências, retro alimentando este movimento de busca da mudança para uma sociedade com viés esquerdista.

Ao final dos anos 70 e início dos 80, a redemocratização das sociedades latino-americanas e caribenhas faz com que a Teologia da Libertação perdesse parte de sua combatividade política e social. Aliado a este fator, a queda do socialismo real e a crise da esquerda política fazem com que estes movimentos repensem sua identidade.

Fatores no interior da Igreja Católica também tiveram seu impacto: a eleição de João Paulo II. A experiência do novo papa, vindo de um regime comunista hostil à Igreja , fez com que ele visse com suspeita os movimentos de libertação latino-americanos. Muitos teólogos da libertação foram acusados de fomentar a formação de células comunistas dentro da Igreja através das comunidades eclesiais de base.
As mudanças ocorridas na sociedade desde então apresentam novos desafios ao que atualmente se chama de Cristianismo de Libertação: o neoliberalismo econômico e a exclusão social, a globalização, o pluralismo cultural e religioso[3], a crise das igrejas cristãs históricas ante o fenômeno da pós-modernidade.

Uma visão mais ampla da libertação passa a ser almejada, não apenas focada em uma visão economicista, mas baseada também em dados antropológicos, psicológicos e religiosos. Além disto, temas como a igualdade entre homem e mulher, a discriminação racial, o diálogo inter-religioso, as minorias e a ecologia vão sendo progressivamente incorporados ao engajamento dos cristãos e à reflexão teológica sobre a libertação.

O marco do nascedouro da Teologia da Libertação está na publicação da obra Da Esperança, de Rubem Alves, que tinha o título de Teologia da Libertação, criticando a teologia metafísica de uma forma geral e propondo o nascimento de novas comunidades de cristãos animados por uma visão e por uma paixão pela libertação humana e cuja linguagem teológica se tornava histórica.
A primeira participação católica no lançamento da Teologia da Libertação foi a publicação da Teologia da Revolução, em 1970, pelo teólogo belga radicado no Brasil José Comblin. Em 1971, Gustavo Gutiérrez publicou Teologia da Libertação. Somente em 1972, Leonardo Boff surge no cenário teológico com a publicação de Jesus Cristo Libertador.

Como Rubem Alves estava asilado nos EUA neste período, Boff passou a ser o mais conhecido representante desta corrente teológica que vivia no Brasil, devido à proteção recebida pela ordem dos franciscanos, à qual ele pertencia.

Leonardo Boff ingressou na Ordem dos Frades Menores em 1959 e foi ordenado sacerdote em 1964. Em 1970, doutorou-se em Filosofia e Teologia na Universidade de Munique, Alemanha. Ao retornar ao Brasil, ajudou a consolidar a Teologia da Libertação no país. Lecionou Teologia Sistemática e Ecumênica no Instituto Teológico Franciscano em Petrópolis (RJ) durante 22 anos. Foi editor das revistas Concilium (1970-1995) (Revista Internacional de Teologia}, Revista de Cultura Vozes (1984-1992) e Revista Eclesiástica Brasileira (1970-1984).

O método destas teologias é indutivo, não parte da Revelação e da Tradição eclesial para fazer interpretações teológicas e aplicá-las à realidade, mas partem da interpretação da realidade da pobreza e exclusão e do compromisso com a libertação para fazer a reflexão teológica e convidar à ação transformadora desta mesma realidade. Ocorre também uma crítica à teologia moderna e sua pretensão de universalidade. Consideram esta teologia eurocêntrica e desconectada da realidade dos países periféricos.

Enquanto pese as análises positivas acerca da Teologia da libertação, acusa-se tal ideologia de ter fechado os olhos para os assassinatos praticados em regimes ditos socialistas, como os de Cuba, com Fidel Castro, e da URSS stalinista.
Ainda, acusa-se tal movimento de ser condescendente com a culpabilidade da Igreja, que segundos estudiosos, é bem menor do que julgam os promotores, e de deturpar o caminho divino, colocando-o em segundo plano diante da missão terrena de ajudar os pobres.

Integrantes do movimento afirmam que este movimento sempre foi baseado em ideais de amor e libertação de todas as formas de opressão (especialmente opressão econômica). Também afirmam que ele teria uma forte base nas escrituras sacras. Por outro lado, alguns aspectos da teologia da libertação têm sido fortemente criticados pela Santa Sé e por várias igrejas protestantes (embora a Igreja Luterana a tenha adotado), como por exemplo o fato dos adeptos da Teologia da Libertação assumirem o papel político da igreja e pela utilização do Marxismo como base ideológica do movimento.

Segundo Tamayo, a Teologia da Libertação surgiu na América Latina como sistematização de um novo método teológico. Entretanto, nas últimas décadas, desenvolveu-se no Terceiro Mundo e nos ambientes marginalizados dos países desenvolvidos reflexões teológicas que também podem ser classificadas como Teologia da Libertação.

Teologia da libertação africana

A reflexão teológica sobre a libertação trabalha com categorias antropológicas: a aculturação e conseqüente perda da identidade coletiva dos povos, além de sua pobreza estrutural e seu sistema de dominação. Defende-se uma verdadeira inculturação do cristianismo. Os teólogos africanos associaram-se na Associação Ecumênica de Teólogos Africanos.

Teologia da libertação sul-africana

Esta teologia distingue-se da teologia africana por tratar do tema do apartheid. Trabalha intensamente a questão da raça, da negritude.

Teologia da libertação negra nos Estados Unidos

Esta teologia surgiu e se desenvolveu a partir da luta pelos direitos civis dos negros, liderados por Martin Luther King e a busca do poder negro de Malcolm Little.
Busca dois meios de libertação: a consciência negra e o poder negro. Posteriormente, ampliou seus horizontes para a busca de libertação dos pobres e minorias da sociedade americana, como os hispânicos, os asiáticos.
Esta teologia brotou inicialmente nas igrejas negras e seminários protestantes. O marco dessa teologia negra a publicação em 1969 da obra Black Theology and Black Power (Teologia negra e poder negro) pelo Rev. James Cone.

Esta teologia vem ganhando destaque devido à sua influência sobre Barack Obama, eleito Presidente dos Estados Unidos da América.
Teologia da Libertação na Ásia

Tomando como base o desenvolvimento da Teologia da Libertação na América Latina, os teólogos asiáticos refletem basicamente sobre dois aspectos: a interação entre filosofia (como uma cosmovisão religiosa) e religião (como filosofia vivida) e a interação entre religiosidade e pobreza na Ásia. Um dos baluartes desta teologia é o diálogo inter-religioso, dada a situação não-cristã dos pobres da Ásia.

Diálogo com o Islã

Em agosto de 1988, um pequeno grupo de teólogos xiitas liderados pelo Ayatolah Yafhar Subhanni, enviados do Ayatollah Ruhollah Khomeini, chegou à Argentina buscando contatos com a Teologia da Libertação através do Prêmio Nobel da Paz e ativista dos Direitos Humanos Adolfo Pérez Esquivel. Iniciou-se então um diálogo singelo porém duradouro e crescente. Ocorreram vários encontros na cidade de São Paulo, Rio de Janeiro e Buenos Aires.

Do lado cristão participaram Leonardo Boff, Clodovis Boff, Rosalvo Salgueiro, Adolfo Pérez Esquivel, Dom Paulo Evaristo Arns, Pedro Ribeiro de Oliveira, Paulo de Andrade entre outros, e do lado islâmico participaram principalmente professores da Universidade da Cidade Santa iraniana de Qom, como o Ayatolah Yafhar Subhanni, o Ayatolah Taqui Misbah al Yasdi, o Huyatolislam Mohsen Rabanni, o Sheik Abdul Karin Paz, o embaixador do Irã no Vaticano Maseyami Y, o historiador Shamsudin Helia, e a teóloga Lili Kashanni.

O diálogo se esmaeceu e a última reunião ocorreu há mais de dez anos, em setembro de 1997. Outras tentativas de diálogos foram e estão sendo tentadas mas os principais momentos de encontro acabam ocorrendo por ocasião do Fórum Social Mundial.

Na Igreja Católica, a Congregação para a Doutrina da Fé publicou dois documentos sobre esta teologia: Libertatis Nuntius (1984) e Libertatis conscientia (1986). Neles, a Igreja, apesar de defender a importância do seu compromisso radical para com os pobres, considerou-a como heterodoxa. Isto principalmente porque a Igreja acha que a disposição da teologia da libertação em aceitar postulados do marxismo ou de outras ideologias políticas não era compatível com a doutrina católica, especialmente ao afirmar que "só seria possível alcançar a redenção cristã com um compromisso político". Nestes documentos, a Igreja salienta muito o risco da instrumentalização política da fé.
Alguns afirmam que o que ocorreu não foi uma crítica ou repressão ao movimento em si, mas sim correção de certos exageros de alguns de seus representantes (como sacerdotes mais tendentes à política). Outros afirmam que houve uma deliberada sanção à Igreja Latino-Americana na repressão à sua forma mais pungente de ação e crítica social.

Entretanto, o próprio Papa João Paulo II dirigiu uma carta à CNBB, datada de 9 de abril de 1986, pedindo o compromisso com o verdadeiro desenvolvimento desta teologia: "...estamos convencidos, nós e os senhores, de que a Teologia da Libertação é não só oportuna, mas útil e necessária. Ela deve constituir uma nova etapa, em estreita conexão com as anteriores, daquela reflexão teológica iniciada com a tradição apostólica e continuada com os grandes padres e doutores, com o magistério ordinário e extraordinário e, na época mais recente, com o rico patrimônio da Doutrina Social da Igreja expressa em documentos que vão da Rerum Novarum a Laborem Exercens".
"Os pobres deste país, que tem nos senhores os seus pastores, os pobres deste continente são os primeiros a sentir urgente necessidade deste evangelho da libertação radical e integral. Sonegá-lo seria defraudá-los e desiludi-los".

Para concluir, o Papa incita ao seu verdadeiro desenvolvimento de modo homogêneo e não heterogêneo com relação à teologia de todos os tempos, em plena fidelidade à doutrina da Igreja, atenta a um amor preferencial e não excludente nem exclusivo para com os pobres.

Mas, com a ascensão do pensamento tradicionalista na Igreja Católica, a Teologia da Libertação foi paulatinamente sendo excluída da Igreja oficial, mantendo-se porém ainda viva nos movimentos sociais existentes dentro da Igreja, especialmente aqueles que estão comprometidos com uma análise crítica da realidade. Por outro lado, a força de suas idéias difundiram-se pelo clero e grande parte dos sacerdotes latino-americanos, estando eles hoje ligados em maior ou menor grau aos ideais heterodoxos dessa escola teológica.

Com Leonardo Boff sobre seus questionamentos a respeito da hierarquia da Igreja, expressos no livro Igreja, Carisma e Poder, renderam-lhe um processo junto à Congregação para a Doutrina da Fé, então sob a direção de Joseph Ratzinger, hoje Papa Bento XVI.

Em 1985, foi condenado a um ano de “silêncio obsequioso”, perdendo sua cátedra e suas funções editoriais no interior da Igreja Católica. Em 1986, recuperou algumas funções, mas sempre sob severa vigilância. Em 1992, ante nova ameaça de punição, desligou-se da Ordem Franciscana e pediu dispensa do sacerdócio. Sem que esta dispensa lhe fosse concedida, uniu-se, então, à educadora popular e militante dos direitos humanos Márcia Monteiro da Silva Miranda, divorciada e mãe de seis filhos. Boff afirma que nunca deixou a Igreja: "Continuei e continuo dentro da Igreja e fazendo teologia como antes", mas deixou de exercer a função de padre dentro da Igreja. Suas críticas à estrutura hierárquica da Igreja Católica e seus vínculos com a teologia da libertação fazem com que setores católicos considerem-no apóstata.

Os teólogos da libertação atualmente reúnem-se no Fórum Mundial de Teologia e Libertação. Este fórum surgiu de um encontro de teólogos durante o III Fórum Social Mundial, em 2003 .
O I Fórum Mundial ocorreu em Porto Alegre, em janeiro de 2005.
O II Fórum ocorreu em janeiro de 2007 em Nairóbi, capital do Quênia, com o tema “Espiritualidade para outro mundo possível”. Estes Fóruns antecedem o Fórum Social Mundial- FSM.
O último fórum ocorreu em Belém (Pará) de 21 a 25 de janeiro de 2009, aberto ao público e com entrada gratuita. Seu tema geral foi Água, Terra, Teologia - para outro mundo possível. A proposta do fórum é reunir teólogos e teólogas cristãs dos diversos continentes que trabalhem com o tema da libertação, em todas as suas dimensões, tornando-se "um espaço de encontro para reflexão teológica de alternativas e possibilidades de mundo, tendo em vista contribuir para a construção e uma rede mundial de teologias contextuais marcadas por perspectivas de libertação".

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