quinta-feira, 7 de janeiro de 2010


Assentamentos alimentam o comércio clandestino de madeira no interior


A falta de uma política bem definida e coordenada para a reforma agrária ficou mais uma vez evidenciada na operação realizada pela Polícia Federal na última semana, em Quedas do Iguaçu, região sudoeste do Paraná. No maior assentamento do Estado, ocupado pelo MST desde 1996, a PF descobriu um gigantesco esquema de corte e venda ilegal de madeira. A área onde foi descoberto o crime ambiental equivale a duas vezes a cidade de Curitiba e já é conhecida como o maior desmatamento paranaense.

A Operação Tolerância Zero se concentrou no assentamento Celso Furtado e teve um investimento de R$ 500 mil, custeados pelo Incra. Ao todo, 498 policiais militares e federais foram mobilizados em uma investigação que já durava seis meses. Até um helicóptero se juntou a 180 viaturas para percorrer 12 municípios da região. O resultado foi a apreensão de 107 caminhões com madeira de corte ilegal. Além disso, 15 pessoas foram presas e 35 madeireiras interditadas.

A participação de assentados foi comprovada pela polícia. No entanto, as terras pertencem ao Incra, que não faz o repasse dos títulos de propriedade. Com isso, os envolvidos no desmatamento ilegal não responderão por crime ambiental. Afinal, a área ainda é patrimônio da União. Além dessa falha na política de reforma agrária, não há muitas alternativas aos assentados. Foi o que relatou à “Gazeta do Povo” a assentada Salete da Silva, 37 anos. “Aqui nem horta dá. Por que deram para gente uma área que não dá para plantar e não deixam cortar madeira? Será que a gente vai ter que viver para sempre na miséria?”, questionou Salete. O Incra se defende dizendo que “estaria” preparando alternativas de renda para as famílias.

São quase três mil famílias vivendo nos quatro maiores assentamentos da região, em uma área de 82 mil hectares. O Incra investiu R$ 132 milhões para a compra da fazenda, considerada a maior transação já realizada no Brasil para a reforma agrária. Porém, o valor pago pelo meio ambiente é muito mais alto.

Cronologia da destruição

Foi há 13 anos que o MST invadiu o local, situado em uma região de junção entre a Floresta de Araucária e a Floresta Estacional Semidecidual, área com uma grande e característica diversidade biológica. O resultado foi a degradação ambiental e o desaparecimento da fauna e flora presentes na localidade.

17/04/96 – Invasão de 3 mil famílias lideradas pelo MST, envolvendo 10 mil pessoas;

05/07/96 – Primeiras denúncias ao Ibama e IAP sobre a derrubada da floresta nativa e a caça indiscriminada de animais silvestres;


02/08/96 – Relatório do Ibama alerta sobre o perigo da degradação ambiental irreversível;

09/08/96 – Ibama encaminha relatórios ao INCRA pedindo que cessem o desmatamento e a caça;

16/01/97 – Área de 16.852,16 hectares são destinados para a reforma agrária;

05/08/97 – Invasão do MST ocupando 10 mil hectares remanescentes;

09/10/97 – Novas denúncias de desmatamento. O Ibama só consegue entrar na área, após autorização do MST;

1999 a 2000 – Três novas invasões promovidas pelo MST com completa devastação devido ao desmatamento e às queimadas;

2009 – Operação Tolerância Zero da PF apreende 107 caminhões com madeira de corte ilegal. 15 pessoas são presas e 35 madeireiras fechadas.


Crime

A madeira e os caminhões confiscados lotam o pátio da 2.ª Companhia da Polícia Militar em Quedas do Iguaçu. “Mesmo com as apreensões, a derrubada de madeira continua dentro do assentamento. A extração ou transporte de madeira ilegal é crime e os responsáveis serão responsabilizados conforme a lei”, diz o delegado de Quedas do Iguaçu, Douglas Possebon, que investiga a ação dos assentados e os madeireiros da região.

As lideranças do MST na região de Quedas do Iguaçu não quiseram comentar as denúncias feitas pela polícia. Os proprietários de madeireiras também preferem não falar sobre o assunto. Para o tenente Marchetti, a extração ilegal abastece o comércio clandestino de madeira nas regiões Sudoeste, Centro-Oeste e Oeste do estado. Cada carga é vendida por valor variando entre R$ 300 e R$ 500, mais depois de processada vale até vinte vezes mais no mercado.

O comandante da 2.ª Companhia, tenente Renato Marchetti, informou que as toras apreendidas seriam levadas para Santo Antônio do Sudoeste e Dois Vizinhos. De acordo com a PM, toda a madeira apreendida neste ano em Quedas do Iguaçu foi extraída ilegalmente do assentamento Celso Furtado, que é ligado ao MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra).

Com 23,7 mil hectares e 973 famílias, o Celso Furtado foi criado no ano passado pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) para servir de modelo ao sistema de reforma agrária no país. Mais da metade dos 23,7 mil hectares do assentamento precisa ser protegida porque forma reserva legal (24%), área de preservação permanente (6%) e de reflorestamento de pinus e araucária (30%). A extração ilegal, segundo a polícia, ocorre na área de reflorestamento, que equivale à cerca de 4,5 mil hectares cobertos de araucária e pinus, além de uma pequena quantidade eucalipto.

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