quarta-feira, 13 de janeiro de 2010


Brasil perde Zilda Arns

"Quem dedica seu tempo a uma causa, ou a pessoas que precisam de apoio, coloca em prática a essência da religião, que é a fraternidade", afirma. Para ela, o trabalho voluntário carrega a mística cristã do amor sem limites e auxilia quem o exerce a encontrar o equilíbrio necessário entre vida pessoal e profissional. "Ao desenvolver a espiritualidade em contato com o próximo, criamos referências importantes, que nos auxiliam a solucionar questões emocionais complexas."

Zilda afirma que o trabalho voluntário também contribui para disseminar uma proposta de paz. Para que qualquer pessoa possa ter uma índole pacífica, é necessário que ela seja bem cuidada. "Ao se dedicar às crianças, aos pobres, aos idosos e aos doentes, o voluntário nada mais faz do que propagar harmonia", diz. Em sua visita a Guiné-Bissau,ela viu isso de perto. "Fiquei emocionada ao ver muçulmanos, batistas e católicos trabalhando lado a lado nas comunidades como se fossem irmãos de sangue, em prol de uma causa comum." Cuidar do outro também tem efeitos sobre a auto-estima e permite que se conquiste uma compreensão diferenciada sobre a condição humana.

Zilda sempre diz que a inspiração para a Pastoral veio da passagem bíblica, narrada no evangelho de São João, na qual Jesus multiplica cinco pães e dois peixes em alimento suficiente para saciar 5 mil famintos. Seu
foco na mobilização comunitária faz lembrar o provérbio de origem africana: a educação de uma criança requer a participação de toda a aldeia.
“Porque o exemplo que ela deu, na hora da morte, de amor à pastoral. Ela morreu trabalhando pelas crianças e ofereceu a vida pela pastoral. Esperamos que as lideranças peguem esse exemplo e jamais deixem o trabalho morrer”, disse Eunice.

A médica pediatra e sanitarista Zilda Arns, fundadora e coordenadora internacional da Pastoral da Criança, morreu aos 75 anos vítima do forte terremoto abalou o Haiti na terça-feira (12).Arns teria deixado a embaixada em companhia de um militar e da assessora e ido até o prédio onde funcionava um serviço de ajuda humanitária, que desabou. Com o terromoto, uma laje do edifício caiu e atingiu a coordenadora da Pastoral da Criança. Ela não resistiu e morreu.

Irmã do cardeal-arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, Zilda estava em Porto Príncipe para um encontro com bispos e realizaria, às 10h desta quarta-feira, uma palestra sobre a Pastoral da Criança na Conferência Nacional dos Religiosos do Caribe. Na quinta-feira, teria um encontro com representantes de ONGs. A viagem de volta ao Brasil estava prevista para esta sexta-feira (15).

O governador do Paraná, Roberto Requião, decretou luto oficial de três dias no estado pela morte da amiga. "Grande perda para o Brasil e dor para os amigos", disse o governador.

O governador Roberto Requião inaugurou,o Centro de Atendimento Integrado ao Adolescente e à Criança, em Florestópolis, região Norte do Estado. O espaço homenageia a fundadora e coordenadora internacional da Pastoral da Criança, Zilda Arns Neumann, que também participou da inauguração. Ela foi uma das idealizadoras do projeto, que forma crianças e adolescentes pobres para uma vida digna, com prioridade aos valores que envolvam família e sociedade.

“A construção é fácil, agora vem a verdadeira tarefa, que é o projeto pedagógico e a capacitação dos funcionários, que são a alma do projeto. A estrutura está pronta e seu funcionamento depende da dedicação e inteligência dos professores e funcionários”, afirmou Requião. “É um grande projeto que veio pelas mãos da Zilda Arns.”

Zilda Arns lembrou que Florestópolis recebeu o projeto-piloto da Pastoral da Criança e disse esperar que a comunidade faça do Centro Integrado o sucesso que fez da Pastoral. “Desejo que o povo faça daqui um verdadeiro centro de atendimento integrado, voltado para o desenvolvimento físico, social, mental, esportivo e cognitivo das crianças.”

Ela defende que investir na educação das crianças significa trabalhar para a redução da violência. “Precisamos fazer com que nossas crianças e adolescentes sejam, não somente protegidos, mas preparados para o futuro. É no começo da vida que se formam os valores culturais, por isso a educação deve ser voltada para a justiça e a paz”, disse.

O prefeito de Curitiba, Beto Richa também comentou a morte de Zilda "Não existe sensação de perda maior. A humanidade perde com a ausência dela"

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva lamentou a morte de Zilda Arns, segundo o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim. "O presidente estava absolutamente chocado, lamentou muito. (Zilda) é uma pessoa de grande projeção no País", afirmou Amorim.

Foi com surpresa que o arcebispo de Londrina, dom Orlando Brandes, recebeu a notícia da morte, “Pelo fato da pastoral da criança ter nascido na Arquidiocese de Londrina, dona Zilda tinha um carinho muito especial com nossa arquidiocese, e com Florestópolis”, afirmou o arcebispo. Florestópolis, no Norte do Paraná, foi a cidade em que o trabalho teve início, em 1983. A cidade foi escolhida, porque apresentava um índice de 127 crianças mortas a cada mil nascidas vivas.

Com a redução drástica da mortalidade infantil em Florestópolis para 28 mortes por mil habitantes, logo no início dos trabalhos, Zilda Arns foi convidada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) a apresentar o projeto a outros bispos do Brasil. Zilda foi convidada por eles a implantar a pastoral em diversas dioceses (cidades) do país. O trabalho chamou a atenção do Unicef, que internacionalizou a prevenção à mortalidade infantil, levando a pastoral da criança para diversos países.

Zilda Arns implantou métodos simples para prevenir a mortalidade infantil.

“Ela trouxe a prevenção para evitar as mortes, como aplicação rigorosa de vacinas, aleitamento materno e mais amor e carinho na hora da amamentação, além de uma boa hidratação para crianças com diarreia, porque as crianças morriam muito de desidratação. Tudo isso para salvar vidas”
“Era muito inteligente, culta e viajada, mas ao mesmo tempo muito humilde, simples e compreensiva. Sabia entrar na casa de um presidente da república, mas também na casa de um favelado”

“Dona Zilda tinha um amor incontestável pela Igreja Católica, mantendo na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), um grande canal de diálogo e comunicação”

Vida dedicada à saúde pública

Nascida em 25 de agosto de 1934, em Forquilhinha (Santa Catarina), Zilda Arns Neumann morava em Curitiba desde os 10 anos de idade, quando se mudou com a família. Deixou cinco filhos e dez netos.

Formada em Medicina, escolheu o caminho da saúde pública desde cedo. Trabalhou inicialmente como pediatra do Hospital de Crianças Cezar Pernetta, na capital paranaense, e posteriormente como diretora de Saúde Materno-Infantil, da Secretaria de Saúde do Estado do Paraná.

Em 1980, foi convidada a coordenar a campanha de vacinação Sabin para combater a primeira epidemia de poliomielite, que começou em União da Vitória, no Paraná.

Em 1983, a pedido da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), criou a Pastoral da Criança com Dom Geraldo Majela Agnello, cardeal e arcebispo primaz do Brasil, que na época era arcebispo de Londrina. Em 27 anos de trabalho, a Pastoral conta com a ajuda de mais de 260 mil voluntários e atende quase 2 milhões de gestantes e crianças menores de seis anos e 1,4 milhão de famílias pobres, em 4.063 municípios brasileiros.

Em 2008, mais de 1,9 milhão de gestantes e crianças menores seis anos e 1,4 milhão de famílias pobres foram acompanhados pela ONG em 4.063 municípios brasileiros. Ao todo, a Pastoral conta com mais de 260 mil voluntários que levam conhecimentos sobre saúde, nutrição, educação e cidadania para as comunidades mais pobres.

No ano de 2004, também a pedido da CNBB, fundou a Pastoral da Pessoa Idosa que atende 129 mil idosos acompanhados, todos os meses, por 14 mil voluntários.

Reconhecida nacionalmente e internacionalmente pelo trabalho que realizav
a, Zilda Arns era cidadã honorária de 10 estados e 35 municípios. Recebeu títulos de doutor honoris causa de cinco universidades: Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Universidade Federal do Paraná, Universidade do Extremo-Sul Catarinente de Criciúma, Universidade Federal de Santa Catarina e Universidade do Sul de Santa Catarina.

Entre os prêmios que recebeu ao longo da carreira estão o Woodrow Wilson, da Woodrow Wilson Fundation, em 2007; o Opus Prize, da Opus Prize Foundation (EUA); Heroína da Saúde Pública das Américas (OPAS/2002); 1º Prêmio Direitos Humanos (USP/2000); Personalidade Brasileira de Destaque no Trabalho em Prol da Saúde da Criança (Unicef/1988); Prêmio Humanitário (Lions Club Internacional/1997) e Prêmio Internacional em Administração Sanitária (OPAS/ 1994). Em 2006, foi indicada ao Prêmio Nobel da Paz.

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