quinta-feira, 28 de outubro de 2010

homossexualismo

Num momento em que a cultura ainda não existia e que o ser humano era coletor e nômade, antes da terceira glaciação, a nossa espécie era regida pela mesma lei que as demais espécies animais, a seleção natural. Os indivíduos mais fortes e mais adaptáveis sobrevivem, enquanto os mais fracos e menos adaptáveis transformam-se em alimento para animais maiores.

Tanto indivíduos machos quanto fêmeas eram então completamente bissexuais, pois não havia diferenças anatômicas tão marcantes em relação aos sexos e também a busca constante de alimentos e a fuga de animais carnívoros limitavam bastante as oportunidades de acasalamento.

Estes indivíduos evidentemente ainda não haviam estabelecido um vínculo causal entre a cópula e a reprodução, ou seja, a razão pela qual as fêmeas engravidavam e davam a luz era tão vaga para eles quanto a razão do sol nascer aparecer e desaparecer no horizonte todos os dias. Num momento em que o sexo estava desvinculado da reprodução não havia qualquer sanção moral a qualquer modalidade sexual, até porque a moral ainda não havia sido inventada.

A caverna civilizou o homem, como teria afirmado Platão no seu livro A República ao descrever o “mito da caverna”. Foi no interior destas cavernas, ao redor das fogueiras primitivas, que o ser humano desenvolveu tanto a linguagem oral quanto a expressão artística e, como subproduto destas, surgiu também a religião.

Para explicar os fenômenos físicos que ocorriam ao seu redor, como raios e trovões, nevascas e grandes tempestades, para fornecer algum tipo de segurança interior em relação ás intempéries e às feras e também para homenagear a mulher que gera a vida e a alimenta foi que surgiu a deusa Geia. Deusa da fertilidade, com as características femininas hipertrofiadas perenemente grávida e muitas vezes com a mão sobre o ventre para demonstrar que existe vida dentro de si, esta “Vênus da fecundidade” foi uma representação quase universal entre os povos que viveram sob o modo de produção primitivo: os homens das cavernas a talharam na pedra e no osso, os aborígines da África e da Oceania utilizaram-se dos mais diversos materiais como a madeira, o marfim, a argila e o cauim e os nossos indígenas, desde a Ilha de Marajó até Sete Povos das Missões igualmente a representavam.

O principal enigma ligado á mulher continuou a ser a reprodução. O homem se sentia ao mesmo tempo inferiorizado e impotente diante daquele ser misterioso que todos os meses sangra, mas não morre, que tem filhos e os alimenta com o leite que o seu próprio corpo produz... Como não há exclusividade das relações heterossexuais e nem tampouco monogamia não havia ainda como detectar neste momento um vínculo causal entre o sexo e a reprodução, não havendo como estabelecer a participação do homem neste evento.

Como único ser capaz de gerar a vida a mulher era divina. Os clãs primitivos viveram sob um esquema matriarcal, não patriarcal, porque o único vínculo co-sanguíneo que podia ser estabelecido era entre os filhos e filhas de uma mesma mulher.

Quando o clima do planeta voltou a esquentar e as geleiras recuaram as comunidades humanas deixaram as cavernas. O homem entrara na caverna um animal como os outros, mudo, inábil e nu e dela saía tendo desenvolvido a fala, a arte e a religião, os primeiros vínculos familiares...

Nas primeiras vilas o universo masculino e o feminino se separaram súbita e drasticamente: o homem dedicou-se à caça e ao cuidado com os rebanhos (o que implicava em que ele estivesse constantemente fora de casa) e a mulher, responsável pela vida e a fertilidade, dedicou-se à agricultura.

A separação prolongada entre os sexos foi que levou o homem a deduzir da sua participação na concepção, já que percebeu que as mulheres que não tinham relações sexuais com homens não engravidavam. Podemos deduzir também que os longos períodos de isolamento entre homens e mulheres tenham engendrado também, neste momento, uma maior freqüência nas relações homossexuais.

A “vingança” masculina logo se fez sentir. Quando surgem as primeiras cidades, na Idade dos Metais, a deusa mãe primitiva é substituída pelos deuses masculinos e o homem – agora consciente do papel que desempenha na concepção – submete a mulher ao seu jugo, criando as uniões estáveis entre um homem e uma ou mais mulheres.

O clã patriarcal é um fenômeno evidentemente urbano pois longe dos antigos rituais, ligados à agricultura e à fertilidade do solo, a mulher vai aos poucos perdendo o seu papel de destaque. A deusa Geia vai sendo esquecida.

Não por acaso os ídolos masculinos são feitos em metal (normalmente o bronze): forjar metais é uma atividade evidentemente masculina. Até mesmo a feitura dos ídolos excluirá, de agora em diante, a mulher.

O homem já constrói casas já fabrica objetos de metal e já desenvolveu estrutura social. Neste momento, lá pelo ano 5.000 a.C. , em algum lugar do Oriente Médio, ele desenvolve a escrita e, com ela, as leis e os códigos de conduta (inclusive sexual).
O fato de que o único texto antigo a falar sobre a homossexualidade seja a Bíblia não significa que ela não existisse entre as antigas civilizações orientais Pelo contrário, quando a Bíblia condena a homossexualidade e até mesmo o travesti o que ela faz é afirmar sua existência, ou seja, não há necessidade de condenar algo que não existe ou que não seja praticado com uma certa freqüência.

A condenação à homossexualidade por parte dos antigos judeus se insere num contexto mais amplo que é o da sedimentação da sociedade patriarcal, em substituição à matriarcal, e da garantia da linhagem masculina, para garantir a propriedade/posse da terra.

Se as práticas sexuais não fossem reguladas como garantir a legitimidade dos herdeiros? Ou seja, se continuasse a existir grande permissividade sexual dentro do grupo como seria possível garantir qual macho havia fecundado determinada fêmea?

Embora as práticas homossexuais sejam estéreis, não levando à concepção, geram um precedente de permissividade, indesejável neste momento. Além disso, tendo sido recém descoberto o papel do homem na concepção, ocorre uma “sacralização do pênis/esperma”.

Também a masturbação passa a ser condenada pois ela implica no “desperdício” do sêmen potencialmente fecundo...Neste sentido, os judeus introduzem a circuncisão: sem o prepúcio torna-se muito mais difícil o exercício da masturbação, além de tornar a glande menos sensível diminuindo o prazer sexual.

Radicalizações desta postura judaica levaram outros povos antigos, como os japoneses por exemplo, a personificarem o falo na figura do “deus da fecundidade”. Ainda hoje o pênis é sagrado para o xintoísmo e todos os anos jovens viris carregam um imenso membro, em procissão, pelas ruas de Tóquio e das principais cidades japonesas, em homenagem a este deus.

Na Índia é comum, ainda nos dias de hoje, que os homossexuais sejam castrados, passando a constituir uma casta separada das demais Estes eunucos cumprem funções mágicas e rituais dentre as quais estão abençoar os casamentos e realizar danças rituais em honra aos antigos deuses. Ninguém pensaria em lançar uma maldição ou uma sanção moral em relação aos mesmos pois, em tendo sido retirada a genitália masculina, não há desonra alguma em copular com outros homens, ou até prostituir-se. Como vemos, a “honra” em algumas sociedades antigas reside mais na genitália do que no caráter do indivíduo.

A intervenção “cirúrgica” na genitália, quer seja na circuncisão judaica ou na castração hindu, adquire caráter sagrado. É a circuncisão que lembra aos judeus a sua aliança com Deus e que se transforma em sinal exterior de que se pertence ao povo escolhido. Ao mesmo tempo, é a ablação da genitália que permite ao hindu o ingresso numa nova casta, independentemente da sua casta de origem, muito mais permissiva e que se localiza numa zona de transição entre o universo masculino e o feminino.

Postura semelhante à dos hindus, sem o inconveniente da castração, existiu entre os povos da América pré-colombiana. Tanto os Sioux quanto vários povos das Américas Central e do Sul atribuíam poderes mágicos e divinatórios aos “invertidos” os quais, em algumas das antigas civilizações, estavam até autorizados a usar roupas do sexo oposto.

Na Mesopotâmia, ao contrário do que acontecia em Israel, parece que havia bastante liberdade para a expressão da homossexualidade, ainda que pela via da prostituição:

Os documentos que nos chegam do antigo Egito demonstram que a homossexualidade já existia entre eles: “A prática do amor entre pessoas do mesmo gênero, porém, é muito mais antiga que a própria Bíblia. Há documentos egípcios de 500 anos antes de Abraão, que revelam práticas homossexuais não somente entre os homens, mas também entre Deuses Horus e Seth”

Além disso, a negação da conduta sexual dos egípcios, contida em Levítico 18, 3, nos faz crer que devesse mesmo haver a livre expressão das potencialidades sexuais, até porque os egípcios não estiveram alheios à norma áurea do direito positivo, que sempre se estabeleceu tacitamente, de que “tudo o que não é proibido é permitido”.

Os egípcios, tanto homens como mulheres, eram extremamente erotizados: usavam maquiagem, ungüentos perfumados, roupas insinuantes (por vezes transparentes ou com os seios nus), perucas e adornos. Sua preocupação com a sedução e a boa aparência não se restringia à vida cotidiana: a fim de que não chegassem à outra vida desfigurados, havia cartuchos especiais para proteção do pênis da múmia, o escroto dos homens e os seios das mulheres eram recheados com tecidos (múmias reais) ou palha e areia para aparentarem naturalidade, conforme deixou registrado Heródoto, historiador grego que visitou o vale do Nilo na época da decadência do império egípcio.

Ao contrário da proibição judaica, o pênis era bastante manipulado, tanto por homens como por mulheres, como aparece em várias pinturas murais.

a civilização grega se preocupava muito mais com a qualidade dos envolvimentos do que com a natureza dos mesmos, ou seja, que condenáveis eram certas práticas, como a prostituição, e não o fato de serem desenvolvidas por homens ou mulheres.

A conduta padrão era que os relacionamentos afetivos/sexuais se desenvolvessem entre um cidadão livre mais experiente e jovens livres ainda imberbes, chamados efebos, ou então escravos de qualquer idade. O cidadão livre mais experiente era chamado de erastes (aquele que ama) e o jovem efebo ou o escravo era chamado de eromeno (aquele que é amado).

A civilização grega conferiu á homossexualidade masculina 3 estatutos, variando da época e do local: em Creta (civilização minóica) a homossexualidade era um rito de passagem, uma etapa necessária entre a infância e a idade adulta; em Atenas havia um estatuto social favorável na medida em que o ato sexual com indivíduos de sexo oposto só se dava para atender á necessidade da procriação, ficando o amor e o prazer para os indivíduos do mesmo sexo e, finalmente, em Esparta, era claramente estimulada, para favorecer a criação de vínculos afetivos e companheirismo no seio do exército, ao qual o cidadão pertencia dos 7 aos 35 anos de idade.

A forma mais comum de relações homossexuais entre homens na Grécia Antiga era a "paiderastia". Era uma relação entre um homem mais velho e um adolescente; em Atenas este indivíduo mais velho era chamado de erastes, e sua função era a de educar, proteger, amar e agir como um exemplo para seu amado - chamado de eromenos, cuja recompensa para seu amante estaria em sua beleza, juventude e potencial.

Protocolos sociais complexos existiam para proteger os jovens da vergonha associada com o ato de ser penetrado sexualmente. O eromenos devia respeitar e honrar o erastes, porém não desejá-lo sexualmente. Embora ser cortejado por um homem mais velho fosse praticamente um rito de passagem para os rapazes, um jovem que fosse visto reciprocando o desejo erótico de seu erastes poderia sofrer um considerável estigma social.

A sociedade e a lei ateniense permitiam a prostituição masculina, mas proibiam seus praticantes de ocupar cargos públicos, pois acreditava-se que se um homem vendesse seu corpo, não hesitaria em vender os interesses da cidade. As relações sexuais entre homens da mesma idade eram consideradas antinaturais, pois significava que um dos homens adotava a posição passiva, traindo assim a masculinidade que dele requeria o papel de cidadão ativo.

De acordo com este ponto de vista, qualquer atividade sexual onde um homem penetrasse um inferior social seu era tida como normal; como "inferiores sociais" poderiam estar incluídos mulheres, jovens rapazes, estrangeiros, prostitutas ou escravos; e ser penetrado, especialmente por um inferior social, era considerado potencialmente vergonhoso.

Quanto à homossexualidade feminina é bastante conhecida a origem do termo “lésbica”: a poetisa Safos e sua “corte” que estava instalada na Ilha de Lesbos.
A mulher grega passava a vida reclusa no gineceu tecendo ou fiando; pouco contato tinha com os homens, pouco saía às ruas e o único contato com o marido é quando este a visitava para aumentar a prole... A homossexualidade feminina era então a norma não o desvio. Neste contexto, Safo causou comentários porque era uma mulher poeta numa época em que a imensa maioria das mulheres era analfabeta, e porque usufruía um relativo poder político, devido à sua alta estirpe, numa época em que a mulher não era considerada cidadã.

No universo cultural romano, marcado pelo pragmatismo e a grandiosidade, as relações entre os sexos tenderam a ser mais harmônicas e mais democráticas.

Numa longa fase da história, que vai do séc. I ao V, Roma era o mundo...Toda a bacia do Mediterrâneo pertencia ao Império Romano, do atual Marrocos à Palestina e desta até Portugal e às ilhas Britânicas. Neste imenso império, que congregava povos, raças e culturas tão diferentes entre si, a norma era o cosmopolitismo e a tolerância.

“Roma não esperou a helenização para mostrar indulgência em relação a uma certa forma de amor masculino. O monumento mais antigo que se conservou das letras latinas, o teatro de Plauto, imediatamente anterior à gregomania, está repleto de alusões homófilas de um sabor bastante nativo. No calendário do Estado romano chamado os Fastos de Preneste, o dia 25 de abril é a festa dos prostitutos masculinos, que segue-se imediatamente à festa das cortesãs, e Plauto fala-nos desses prostitutos que esperavam os clientes na Rua da Toscana.”(VEYNE)

A sociedade romana conferiu, ao contrário da grega, papel de destaque á mulher, inclusive a prostituta.

Parte desta complacência, que chegou por vezes à admiração, deve-se á própria fundação mitológica da cidade de Roma:

“Roma deveu sua fundação a uma loba; as moedas ou as esculturas rivalizam em reiterar esse símbolo nacional: a imagem insólita do animal selvagem amamentando Rômulo e Remo. Contudo, desde a Antiguidade, os historiadores se preocuparam em racionalizar esse mito, descobrindo por trás dele uma realidade muito mais trivial: os recém-nascidos abandonados não foram salvos pelo leite de uma loba compadecida, mas pela caridade de uma mulher batizada Lupa (loba) pelos pastores com os quais ela se prostituía, um apelido que, segundo os antigos, assimilava a obscenidade proverbial, o odor e a rapacidade do animal aos das prostitutas.” (SALLES)

Se no início da República romana as possibilidades femininas eram quase tão reduzidas quanto na sociedade grega, aos poucos, com a ampliação do Império, a situação se modificou drasticamente. A mulher foi, pouco a pouco, adquirindo status de cidadã: ela passou a herdar, a divorciar-se, a exigir seus direitos perante o fórum:

“Contudo, com a emancipação geral das mulheres no final da República e a helenização dos costumes romanos, certos homens políticos adquirem o hábito de aparecer em público acompanhados por belas cortesãs.[...]Com a liberação dos costumes femininos já não é possível distinguir pela aparência as beldades “irregulares” das esposas legítimas. A partir dos séculos II e I a.C., numerosas esposas romanas passaram a adotar vestimentas excêntricas, ruge e jóias vistosas, originalmente apanágio das prostitutas. [...]no ano 19 d.C., Vistília, mulher do pró-cônsul da Gália narborense, reivindica diante dos edis a liberdade de fazer comércio de seu próprio corpo, atitude que não agrada ao imperador...”(SALLES)

Enquanto subsistiu a ordem e a “pax” romana o sexo gozou de relativa liberdade, sendo regulado apenas pelos princípios éticos e morais dos romanos:

“...Artemídoros distingue as “relações conforme a norma” (são suas palavras): com a esposa, com uma amante, com “o escravo, homem ou mulher”(...) e aquelas que são contrárias à natureza: o bestialismo, a necrofilia e as uniões com as divindades. [...]um pederasta não era um monstro, era simplesmente um libertino, movido pelo instinto universal do prazer. O horror sagrado ao pederasta não existia.”(VEYNE )

Com as pregações de Pedro e principalmente de Paulo, e a fusão do judaísmo com o estoicismo grego o panorama começa a mudar...

“Saulo de Tarso, um judeu que se converteu ao cristianismo e que adotou o nome de Paulo de Tarso, é o único apóstolo que se refere ao tema "homossexualidade", mas de modo nada explícito. Alguns autores recentes especulam que Paulo de Tarso (ou Saulo) era homossexual, mas escondia sua orientação sexual e vivia em conflito entre seus desejos e a sua fé judia. Apesar da afirmação não poder ser comprovada, é uma interessante teoria para se explicar a exacerbada hostilidade de Paulo com relação aos relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo, o qual reagia de forma muito exagerada e que revelava, implicitamente, algum medo interior. É ponto pacífico entre terapeutas que a maioria das pessoas que condenam a homossexualidade de forma radical possuem um medo insconsciente de serem elas próprias homossexuais e diante do ato de condenação procurarem disfarçar esta tendência ou orientação sexual.”

Em contrapartida, viveu na época final do Império, São Sebastião, belo centurião romano, considerado desde sempre o santo padroeiro dos homossexuais:

“Os homossexuais veneram são Sebastião como protetor desde a idade Média. Na biografia do santo, consta que era o soldado preferido do Imperador Diocleciano, considerado pelos historiadores como um dos imperadores mais homossexuais de Roma. O motivo do martírio do santo, segundo alguns autores, teria sido sua recusa em continuar manter relações sexuais com Diocleciano, depois da conversão ao cristianismo.”

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