quarta-feira, 17 de novembro de 2010


Violência contra a mulher

40% das agressões não chegam à Justiça

Um caso de violência contra a mulher a cada 43 minutos. Esse é o número que salta das estatísticas da Delegacia da Mulher em Curitiba, que registra uma média de 33 boletins de ocorrência por dia, resultando em mais de mil casos por mês.

Levando-se em conta que muitos episódios não são notificados à polícia, os índices podem ser ainda maiores. No total, até meados de outubro, a delegacia contabilizava mais de 8 mil inquéritos em andamento. O número de mulheres que resolvem levar o caso à Justiça, no entanto, ainda é baixo: apenas 60% dos boletins de ocorrência viram inquéritos policiais, já que, nesses casos, é preciso que a mulher represente contra o agressor (assine um termo consentindo em processá-lo) para que o caso seja investigado e denunciado pelo Ministério Público.

Para além dos números, as reuniões que ocorrem diariamente em uma sala no térreo do prédio da delegacia dão uma ideia do desafio enfrentado pelas três delegadas, uma socióloga e psicólogas que prestam atendimento no local. Diariamente, um encontro que começa pontualmente às 13 horas entre uma psicóloga e as denunciantes tem como objetivo explicar a elas o procedimento padrão a ser seguido após o registro da ocorrência: a importância da representação criminal e de se fazer um boletim de ocorrência a cada fato novo, além do prazo legal pa­­ra a prescrição do crime (seis meses a partir da ocorrência do fato). Nas reuniões, geralmente formadas com grupos de dez mulheres, metade comparece.

A delegada titular Daniela Antunes Andrade comenta o motivo que faz com que muitas não sigam adiante:
“Elas perdoam. Nós estamos falando de amor, de sentimentos, de relações que já têm filhos. Muitas dizem que os filhos não vão perdoá-las por colocar o pai deles na cadeia.”

A socióloga Leusa Salete Oliveira, que há 20 anos atende mulheres em situação de violência, explica que não é raro ouvir nas reuniões comentários das mulheres de que registraram a ocorrência apenas para “dar um susto” no companheiro.

Polêmica

A obrigatoriedade da representação da mulher para crimes de lesão corporal, os mais comuns dentre os configurados como violência doméstica e familiar, é objeto de polêmica entre advogados, magistrados e defensores dos direitos da mulher. Pela natureza jurídica da ação, que é caracterizada como condicionada, depende-se do consentimento da vítima para que a ação seja proposta pelo Ministério Público.

O entendimento é de que a mulher não deve ser obrigada a processar seu próprio parceiro contra a sua vontade, assim como não faria sentido, do ponto de vista jurídico, prosseguir com a ação quando o casal já estivesse reconciliado, o que geraria constrangimentos aos envolvidos. A partir de 2006, no entanto, com a promulgação da Lei Maria da Penha, que pretendia tornar mais duras as penas contra os agressores, a obrigatoriedade ou não da representação não ficou clara, o que fez com que a polêmica fosse parar no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Os ministros da Terceira Seção do STJ votaram pela manutenção da obrigatoriedade, em fevereiro de 2010. Para os defensores do fim da obrigatoriedade, porém, a sua manutenção trata o crime de violência doméstica de forma diferente em relação aos demais. “Não podemos dar um tratamento diferenciado a esse tipo de crime, que é até mais grave do que os demais, pois acontece dentro da família. Quando uma mulher procura uma delegacia está emitindo um pedido de socorro, que não pre­­cisa ser reafirmado várias ve­­zes”, opina a presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB-PR, Sandra Lia Bazzo Barwinski.

Paraná ainda não firmou pacto

O Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência Contra a Mulher, acordo firmado entre os governos federal, estadual e municipal para fortalecer o combate à violência doméstica e contra a mulher, ainda não foi assinado pelo Paraná. Criado em 2008, o Plano está presente em 23 estados, mas os estados do Sul e o Distrito Federal ainda não aderiram, fato lamentado pela Secretaria de Políticas para as Mulheres, do governo federal. “[A ausência desses estados] pode agravar ainda mais a situação de violência”, afirmou a secretaria através de nota no site.

De acordo com a diretora geral da Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania (Seju), Elizabeth Guimarães, a demora ocorreu devido à ausência de um projeto, elaborado em conjunto por várias secretarias, que tratava das políticas públicas a serem desenvolvidas pelo estado na área, como a criação de casas-abrigo e o tratamento psicológico dos agressores. O problema, de acordo com a diretora, foi sanado: “Terminamos de elaborar o projeto e já encaminhamos à secretaria. Esperamos que ele seja aprovado até o fim do ano, e, para 2011, estamos prevendo a construção de uma casa-abrigo em Curitiba para 20 mulheres, a primeira do estado. Será um projeto piloto para outras 18 que vamos construir”, promete.

Demandas

Outra necessidade no estado é a de tratamento psicológico ao agressor. Para a psicóloga e analista do comportamento Lúcia Willians, coordenadora do Laboratório de Análise e Prevenção da Violência da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), apenas prender o agressor não resolve o problema da violência, e ainda desestimula a mulher, que não quer ver o companheiro preso, mas sim contemplado por um tratamento psicológico.

“Há quem culpe a mulher por ficar com ele. Mas ela pode ficar com o parceiro, essa é uma decisão pessoal. O que eles precisam é de tratamento. Não adianta ter uma visão criminalista, ele precisa de ajuda, porque se o relacionamento terminar, ele vai fazer isso com outra”, afirma Lúcia.

Para que o tratamento vire realidade, a presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB-PR, Sandra Lia Bazzo Barwinski, cobra a assinatura do Pacto. “Sem a assinatura, não recebemos essa verba, e não conseguimos reprimir esse crime da forma como ele deve ser reprimido, com educação.”

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