sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

As meninas soldados outra face da exploração sexual e da violência de gênero
Embora na América Central e na América Latina o problema não seja tão difundido ou pernicioso quanto é na África e na Ásia, desde os anos de 1960, tanto grupos guerrilheiros quanto paramilitares incorporaram a suas fileiras crianças soldados—inclusive meninas, principalmente de grupos camponeses e indígenas—por sedução ou imposição.
Nos anos de 1980 e 1990, o movimento guerrilheiro Sendero Luminoso, do Peru, teve significativo contingente de mulheres jovens, algumas recrutadas à força; e os diversos grupos revolucionários e guerrilheiros em El Salvador, Guatemala, Honduras e Nicarágua incluíram meninas soldados. Com o fim das insurgências, muitas das meninas passaram para gangues juvenis. Em certo número de casos, essas meninas podem ter sido recrutas voluntárias, atraídas por uma causa popular ou em busca de fugirem da pobreza geral, do conflito e/ou de vinganças das forças de segurança do Estado e dos paramilitares. Contudo, o alistamento voluntário nem sempre as protege do abuso e da exploração, nem estavam elas livres para irem embora.
Infelizmente, é difícil compilar estatísticas, uma vez que os líderes das forças e exércitos irregulares não anunciam o papel das crianças soldados, menos ainda das meninas, por medo de serem processados por crimes de guerra.
Na Colômbia, após o surgimento de movimentos guerrilheiros importantes nos anos de 1960 e 1970, um número crescente de meninas soldados e um quadro de mulheres ingressaram ou foram forçadas a ingressar nas tropas de grupos guerrilheiros, narco-terroristas e paramilitares. Os mais notórios grupos armados incluem os rebeldes anti-governistas das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), do ELN (Exército de Libertação Nacional) e as forças pró-governamentais das AUC (Autodefesas Unidas da Colômbia), respectivamente. Entre as aproximadamente 14.000 crianças soldados recrutadas pelos grupos paramilitares e pelos grupos armados da oposição, é bastante alto o número de mulheres e meninas. Por exemplo, nas fileiras das FARC e do ELN, as mulheres e meninas constituem 50 por cento de todos os recrutas. Em 2001, um funcionário das Nações Unidas criticou o uso de mais de 2.500 meninas soldados, principalmente nas FARC, e seu estupro e abuso sexual pelos comandantes. Embora os paramilitares tendessem a ter menos mulheres e meninas em suas fileiras, meninas soldados ligadas a grupos armados de todas as partes da guerra civil foram tratadas muito mal e narra-se que eram forçadas, muitas vezes, ao uso de contraceptivos e a abortos.
Todos os lados na guerra civil colombiana de 40 anos proclamam respeitar as normas internacionais de direitos humanos, inclusive as que dizem respeito a mulheres e crianças; todavia, a própria tática da guerra irregular erodiu a distinção entre combatentes e civis. Além disso, os camponeses e indígenas indefesos (até os dos países vizinhos) têm sido vítimas de exércitos privados turbulentos em busca de conquistar e apropriar-se de territórios e recursos. Tem havido massacres de todos os lados—especialmente de mulheres e crianças—e há milhões de colombianos desalojados, tanto refugiados internos quanto em campos, em países fronteiriços. Destes, mais da metade tem menos de 18 anos e segundo as normas atuais de direitos humanos podem considerar-se crianças. Durante os piores dias das guerras de drogas na Colômbia, eram recrutadas crianças para formarem gangues juvenis de sicários (ou meninos assassinos) para servirem de “bucha de canhão para o cartel de Medellín) e fornecerem apoio logístico, de inteligência e propaganda. Os paramilitares continuaram com esta prática e recrutaram sistematicamente crianças soldados para suas milícias humanas, muitas das quais tornaram-se gangues de drogas do tipo da máfia. Também, ondas de violentas campanhas de “limpeza social” tiveram como alvos delinqüentes e meninos de rua, inclusive meninas forçadas à prostituição. Após o aumento do seqüestro nos anos de 1990, mulheres e meninas que as guerrilhas colombianas mantiveram presas por meses e anos como forma de extorsão e para financiar suas causas, tornaram-se, às vezes recrutas, bem como parceiras sexuais e “esposas” de soldados e comandantes.
O desarmamento e a reabilitação de meninas soldados têm sido lentos e difíceis na Colômbia. Um pesquisador concluiu que, entre 1988 e 1994, cerca de 25% de guerrilheiros reabilitados eram mulheres, embora número menor delas tivesse participado de combates e exercido funções de alto risco. Embora o número de meninas soldados e mulheres que morreram na guerra civil seja menor, mais mulheres foram desalojadas e tornaram-se vítimas triplas. Sofreram violências contra si próprias ou suas famílias, passaram pela perda de seus meios de subsistência e foram submetidas à perda das raízes sociais e emocionais. Como acontece com as meninas soldados e vítimas femininas em outros lugares, esta vitimização tornou especialmente difícil desmobilizá-las e reintegrá-las à sociedade. Qualquer que seja a razão, as mulheres eram mais sujeitas a serem estigmatizadas pela sociedade como “responsáveis por sua própria desgraça”.
Segundo o relatório, muitas meninas ficam “apavoradas demais para ficarem e apavoradas demais para deixarem” grupos armados, e muitas não têm escolha.
As famílias e as comunidades as rejeitam como “impuras”, “imorais” ou até como “vadias” que macularam a honra da família e da comunidade. Se essas meninas voltam com filhos enfrentam ainda maior repúdio e isolamento em suas comunidades. Sendo as meninas estigmatizadas como promíscuas e problemáticas, sem um meio de vida ou uma rede de apoio social, é freqüente que continue o ciclo de vitimização por gênero, e as meninas que antes eram crianças soldados são compelidas ao comércio sexual para sobreviverem. Sem a proteção da comunidade e/ou a intervenção internacional, elas ficam em maior risco de recrutamento por grupos armados.
Em última análise, a crise das meninas soldados é extensa, complexa e de longo prazo, ela representa parte integral da violência de gênero e da militarização de sociedades.
Não há comunidade ou sociedade imune; até os países desenvolvidos e relativamente isentos de conflitos têm sido criticados pelo recrutamento de meninas menores de 18 anos pelas forças armadas do Estado. Resolver a exploração de meninas soldados exigirá não apenas sensibilidade e compreensão, mas, também, um compromisso consistente, financeiro e jurídico, dos governos e da comunidade internacional mais ampla, no sentido de fazer valer as normas e processar os infratores. Além disso, na raiz do problema das meninas soldados estão o conflito endêmico e a ausência de alternativas de vida; até que a maioria dos países alcance a estabilidade socioeconômica, muitas soluções permanecerão tentativas.
Dr. Waltraud Q. Morales é professora de ciência política na Universidade da Flórida Central.

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