quinta-feira, 16 de setembro de 2010


Bento XVI busca aproximação com Anglicanos em viagem ao Reino Unido


A primeira visita de Estado de um Papa ao Reino Unido, e seu principal objetivo é acalmar as tensões que ainda subsistem entre as igrejas católica e anglicana, 500 anos depois do cisma de Henrique VIII.

As relações ecumênicas com o anglicanismo e com outras igrejas cristãs presentes em território britânico serão o tema principal desta histórica visita de quatro dias - organizada, paradoxalmente, em torno da beatificação de John Henry Newman (1801-1890), um dos mais famosos convertidos do anglicanismo.

Pela primeira vez na história, um pontífice visitará o arcebispo de Canterbury. O atual, Rowan Williams, é líder espiritual de 70 milhões de anglicanos em todo o mundo. Bento XVI o visitará em Lambeth Palace, sua residência oficial de Londres.

Na sexta-feira, os dois terão um encontro privado, antes de receber uma representação de bispos das duas igrejas. Vincent Nichols, presidente da conferência episcopal da Inglaterra e País de Gales, considera a iniciativa "um momento explícito de diálogo e simbolismo".

No mesmo dia, o Papa pronunciará um discurso para líderes da sociedade civil em Westminster Hall, prédio mais antigo do Parlamento inglês - onde, em 1535, São Thomas More, lord chanceler de Henrique VIII, foi acusado de alta traição por se opor aos planos do monarca de se tornar chefe supremo da Igreja na Inglaterra.

Acompanhado do arcebispo de Canterbury, Bento XVI rezará também no túmulo de Santo Eduardo, o Confessor na Abadia de Westminster, fundada no século XI antes das divisões da reforma.

"Espero que esta cerimônia, que é o maior evento ecumênico da visita do Papa, seja uma oportunidade para avançar na relação entre cristãos e para conduzirmos um caminho de reconciliação e unidade da Igreja", declarou o reverendo John Hall, reitor da célebre abadia anglicana londrina.

"Não acho que devamos pensar em termos de rivalidade entre as igrejas, não estamos contando números. Acho que temos uma associação", acrescentou.

As diferenças entre as igrejas ficarão mais evidentes do que nunca quando o pontífice for recebido na abadia de Westminster por sua sacerdote, Jane Hedges, reverenda e uma das principais cabeças por trás da campanha anglicana a favor da consagração de mulheres bispos.

Este tema e a abertura religiosa à homossexualidade foram responsáveis pelas mais recentes fricções entre as duas igrejas, e alguns anglicanos ainda não digeriram o texto promulgado por Bento XVI no fim de 2009 para facilitar a conversão de bispos e sacerdotes contrários à evolução de sua própria igreja em várias frentes.

Mas tanto autoridades católicas britânicas quanto especialistas negam que um dos propósitos da visita do Papa seja angariar fiéis, quase 30 anos depois que João Paulo II pisou em solo britânico para uma visita pastoral.

Entre anglicanos e católicos, a viagem é vista como "um momento de convite ou uma tentativa de atrair as pessoas da Igreja católica para a anglicana", estimou Vincent Nichols, lembrando que há 25 milhões de anglicanos no Reino Unido, contra apenas cinco milhões de católicos.

O papa terá de lidar com ativistas que pretendem denunciar a “intolerância” da Igreja Católica em relação a temas sensíveis, como a ordenação de mulheres, o homossexualismo e o aborto.

A visita ganhou em polêmica após a Igreja Católica no Reino Unido ter avisado que cobrará o acesso dos fiéis às missas. Tudo porque o contribuinte britânico recusou-se a bancar as despesas de Bento XVI. Além de ingressos pagos, os seguidores do Vaticano terão à disposição suvenires oficiais alusivos à presença papal, como camisetas com imagem do religioso e até bonés de beisebol. “Essas contribuições só cobrem os custos de segurança e de transporte dos peregrinos”, afirmou à agência France-Presse o presidente da Conferência Episcopal da Inglaterra, Vincent Nichols.

As polêmicas envolvendo a ida de Bento XVI ao Reino Unido são políticas e religiosas. “A visita ocorre como pano de fundo da Reforma Protestante”, lembra o religioso norte-americano, segundo o qual o Vaticano acusa o rei Henrique VIII (1491-1547) de ter tirado a Inglaterra do domínio de Roma. “O choque entre anglicanos e romanos começou na esfera religiosa e terminou na política. É praticamente impossível separar os dois”, explica o reverendo Vincent Lapomarda.

De acordo com ele, a visita de Bento XVI não pode ser dissociada da ideia de uma tentativa de conversão dos anglicanos. Lapomarda entende a beatificação de John Henry Newman (1801-1890) como simbólica. “O fato de o pontífice beatificar um ex-padre anglicano mostra como ele o respeita enquanto eixo central nos esforços para se promover uma face acolhedora da Igreja a anglicanos que se sentem alienados pela tolerância à ordenação feminina e pela aceitação de homossexuais no posto de bispos”, assegura. “No entanto, ainda que o gesto sugira ecumenismo, é certo que Bento XVI pretende mostrar respeito à rainha Elizabeth II e saudar anglicanos interessados em cruzar a ponte para Roma”, conclui.

Andrea Tornielli, vaticanista do jornal italiano Il Giornale, concorda que "a Igreja católica não tem vontade de se lançar em uma campanha de aquisições", e que o grande debate atualmente não é entre as duas igrejas, e sim no seio da igreja anglicana, que "não é um bloco".

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