domingo, 19 de setembro de 2010

Pedofilia: igreja católica entre o silêncio cúmplice e o delírio


Myra Poole começou sendo anglicana, devotando-se ao catolicismo já na universidade, e dedicou-se à educação de jovens mulheres gerindo duas escolas.

Ativista pela ordenação de mulheres há mais de 20 anos e há mais de 50 integrada na congregação de irmãs Notre Dame de Namur, fundada na França, Myra Poole diz que a avançada idade lhe permite dizer o que pensa:
"Já não me podem tocar, no passado já me queimaram na fogueira. É preciso pessoas na linha da frente, para dar coragem a todas as outras".

«Há coisas tão boas na Igreja que têm sido destruídas pela forma como a liderança tem agido», sustenta.
«Quanto mais olho para o atual Papa, mais sinto pena dele. Está preso numa cultura que não lhe fez bem, nem a ninguém no Vaticano, e também não fez bem às mulheres e aos homens», considera.

Não basta reconhecer "o erro" nos casos de pedofilia que têm assolado a Igreja Católica, nem condenar quem os cometeu. Bispos e o Papa "deviam ir para a prisão" por eles, defende a teóloga feminista Myra Poole.
Em entrevista à agência Lusa, por ocasião de uma conferência em Lisboa, para a qual foi convidada pelo grupo português do movimento internacional Nós Somos Igreja, a teóloga e católica inglesa, repetiu várias vezes a palavra "consternada" para descrever o seu sentimento em relação aos abusos sexuais de menores cometidos por padres em vários países.

"É terrível o que estes homens fizeram, mas a responsabilidade é dos bispos e do Papa", que "deviam ir para a prisão com eles", porque este tipo de abusos resulta de "uma cultura aceite pela Igreja", diz Myra Poole, classificando como "disparate" as tentativas de relacionar o celibato com a pedofilia: "Não é o celibato, é a cultura do catolicismo e a ausência de mulheres [nos cargos eclesiásticos]".

A teóloga que defende a ordenação de mulheres vai mais longe e pede a resignação de Bento XVI: "Acredito, e vou ser muito radical agora, que o Papa devia resignar. Não tenho qualquer dúvida." E, correndo o risco de ser "linchada", promete que vai defender isso mesmo nas ruas enquando o Papa visitar a Inglaterra.

"Reconheceram o erro, ok.! Mas a desculpa do Papa é um pouco tardia. Como cardeal Ratzinger, sabia o que se passava. E se não soubesse, não estava fazendo o seu trabalho. Não há desculpa. Não são líderes capazes, não deviam estar nestes papéis", afirma, exigindo uma reação mais vigorosa aos escândalos de pedofilia por parte da hierarquia.

A teóloga não defende porém a expulsão dos padres que praticaram abusos: "Sinto muita pena destes homens, estavam sob a orientação de uma liderança. Por que é que a liderança não alertou para a gravidade do que eles estavam fazendo? Não os culpo só a eles. Isso é o que a liderança da Igreja está fazendo, culpando estes pobres homens. Não deviam ter feito, mas a velha cultura masculina do catolicismo permitiu que continuassem a fazê-lo. A responsabilidade primária é da liderança."

"A grande tragédia" é que os altos responsáveis "não serão responsabilizados", antecipa. E os padres continuarão a ser "mudados para outras paróquias para continuar com as suas práticas".
"É uma situação muito grave. Se estes homens estivessem na esfera pública seriam obrigados a demitir-se. Se o primeiro ministro britânico fosse responsável por uma coisa destas teria de sair. Todos os bispos devem sair e o atual Papa tem de sair."

Defendendo que é preciso haver "uma rebelião na Igreja", Myra Poole diz que toda a comunidade católica deve "ter algo a dizer sobre a próxima forma de Papado" e sustenta que "o problema é que não há democracia na Igreja".

Os escândalos de pedofilia são
"um sinal de que precisamos de mudanças profundas, de uma revolução suave, no Papado e na hierarquia em Roma. São muito, muito, corruptos, e são-no há dois mil anos sem qualquer avaliação externa do que fazem. Precisamos de uma autoridade secular dentro da Cúria para ver o que está se passando".

Chegou a ser ameaçada de expulsão durante a Conferência Mundial de Ordenação das Mulheres, em 2001 (Dublin). Foi um momento "catalisador" para "todas as mulheres da Igreja Católica", porque revelou que "é possível contornar o poder do Vaticano", recorda.

Defensora da ordenação de mulheres "enquanto as mulheres forem cidadãs de segunda classe, podemos tratá-las como objetos, violá-las, violentá-las e mantê-las na pobreza" , Myra Poole sublinha que não se pode falar em teologia "sem dois adjectivos": "Masculina e patriarcal".

Assume-se como Teóloga Feminista Cristã e o 'feminista' não está no centro por acaso:
"Sou uma teóloga feminista , não se pode ser uma coisa sem a outra, porque o feminismo inclui mulheres e homens. O que o feminismo defende é que as mulheres têm o direito de ser consideradas totalmente humanas e não de segunda classe".

Nesse sentido, embora defenda que os padres se possam casar, opõe-se a que tal aconteça antes da ordenação de mulheres. "Ao longo da História, do Império Romano à atualidade, as mulheres nunca foram incluídas na liturgia e por isso praticaram-na na periferia", lembra, referindo que nada mudou muito: "No século XXI, eles ainda pensam que somos bruxas! E além disso as bruxas podem ser boas ou más. É extraordinário!"

Mas, reconhece, as mulheres "são mais fracas" no "entendimento da obediência". "As mulheres têm sido demasiado obedientes aos homens da Igreja, quando a obediência matura é ao Espírito Santo. Temos de discernir o que é bom e mau em qualquer autoridade. Os homens têm dominado as congregações e o prelado por demasiado tempo. As mulheres precisam ser libertar, mas vai levar muito tempo", antecipa. - Sofia Branco

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