quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Os nazistas brasileiros


O paulista Ricardo Barollo, 34 anos, coordenador de projetos especiais da empreiteira Camargo Corrêa, foi apontado como mandante do crime que tirou a vida do estudante de arquitetura mineiro Bernardo Dayrell, 24, e sua namorada, a estudante Renata Waechter, 21, na madrugada de 21 de abril em Campina Grande do Sul, no Paraná, devido a uma disputa de poder. O crime descortinou uma rede organizada de nazistas no País, com ramificações em vários Estados e conexões com outros países.
Barollo e Dayrell eram líderes dos dois maiores movimentos nacionais. Defendiam que a raça branca estava em extinção e, por isso, a miscigenação deveria ter fim. A Neuland seria o país de extrema direita pautado na mesma ideologia que o ditador Adolf Hitler implantou na Alemanha a partir de 1934. Primeiro, o grupo tomaria São Paulo e os Estados do sul do País. Depois, conquistaria o território de 22 países da Europa.
Essa história veio à tona em 1º de maio, quando Barollo foi preso no bairro de Moema, em São Paulo, no apartamento de alto luxo em que morava com os pais - outros cinco acusados de participar do crime também foram detidos no Paraná. A partir daí, a polícia começou a ter acesso ao universo neonazista do qual faz parte o grupo. A rede com ramificações no Sudeste, Sul e Centro-Oeste do País é formada, em sua maioria, por jovens de classe média ou alta, com boa formação intelectual. A exigência é tão grande que, para ser admitido na facção, o candidato precisa passar por uma rigorosa prova.
A avaliação é realizada pelo computador, em um documento enviado por e-mail com uma senha de acesso e 30 perguntas dissertativas como "Os fins justificam os meios?", "Quem era Adolf Hitler?" e "Quais e como eram os principais governos da Europa na década de 40?". Quem responde de acordo com o que os fatos históricos comprovam é reprovado. Passa aquele cujas respostas são inspiradas no revisionismo, teoria que, entre outras coisas, nega o Holocausto. Os aprovados são "batizados" num lugar confirmado poucas horas antes do evento - apenas a cidade onde acontece a reunião é divulgada com antecedência. Segurando tochas de fogo, prometem honrar a imagem do Führer e o nacional socialismo.
Tamanha devoção é contida em ações discretas, como uma sociedade secreta. O movimento não tem sede, página na internet, nem nada que o identifique perante a sociedade. Os integrantes preferem se comunicar por e-mail ou mensagens instantâneas. Telefonemas, só em casos excepcionais. Encontros, quando inevitáveis, acontecem sempre em lugares diferentes, para não levantar suspeitas. Não há amadorismo. Os grupos são divididos em células.
O detalhado plano da Neuland foi apresentado por Barollo aos seus seguidores em setembro de 2008. Primeiro, o grupo elegeria vereadores e o prefeito no Balneário Piçarras, em Santa Catarina. Em alguns anos, fortalecido, tomaria os Estados do Sul e São Paulo, num movimento separatista que criaria o novo país.
As fronteiras, porém, seriam fechadas a imigrantes. Barollo confirmou essas informações à polícia no dia da prisão, quando vestia uma camisa da seleção de futebol alemã. O que não contou é que o objetivo do grupo era bem mais ousado. Neuland, uma "terra prometida" fundamentada em "união, justiça e liberdade", ocuparia países que fazem parte da União Europeia, como Alemanha, Dinamarca, Espanha, Itália, Polônia, Suécia, entre outros.
Além de Dayrell, a polícia já sabe que mais dois possíveis líderes estavam marcados para morrer por divergirem de Barollo: um na cidade gaúcha de Caxias do Sul e outro na capital paulista. O grupo detido também teria apoio de lideranças no Chile e na Inglaterra. Da Argentina, onde há uma rede neonazista com três mil membros, vieram as armas do crime. No Brasil, até onde se sabe, a maioria luta pela ideologia e defende a estratégia, não o uso de armas, para que com o tempo o neonazismo ganhe força. A violência seria o último recurso, diferentemente dos skinheads, que têm como principal estímulo a agressão às minorias, como nordestinos e homossexuais.
Na noite do crime, o grupo de Dayrell organizou uma festa numa chácara em Campina Grande para comemorar os 120 anos do nascimento de Hitler. Os acusados atraíram Dayrell e Renata, que saíram de Minas para participar do evento, para uma emboscada na BR-116. Todos eram amigos, apesar de fazerem parte de facções rivais. "Eles vão a júri popular e podem pegar até 72 anos de prisão por duplo homicídio qualificado, motivo torpe e apologia ao nazismo", afirma Caricati. Na casa dos envolvidos e de pessoas que participaram da festa, foi encontrado material referente à ideologia de Hitler, como bandeiras, cartazes, revistas, livros e broches.
As divergências entre Barollo e Dayrell começaram em 2007, três anos após a formação do grupo. O mineiro teria criado camisetas, bonés e bandeiras com símbolos nazistas para vender. Barollo passou a acusá-lo de capitalista, afirmando que o ideal do grupo era de uma raça pura e de igualdade social. Dayrell chamou o líder de controlador, rígido, excêntrico, e também forjou uma votação autointitulando-se o novo comandante do grupo em Minas Gerais e no Paraná. Tempos depois, Dayrell convidou pessoas que não conseguiram entrar no grupo de Barollo, por causa da dificuldade da prova de admissão, a seguir com ele. A facção de Barollo contabiliza 50 membros. A de Dayrell, 300 pessoas.
Os grupos revelados pelo crime no Paraná não são os únicos do Brasil onde se encontram seguidores de Adolf Hitler. Uma no Rio Grande do Sul, com 70 pessoas, outra também gaúcha, que existe apenas para importar armas, com 20 membros, e uma terceira em São Paulo, com cerca de 40. Não há dados consolidados de quantos são os neonazistas no Brasil.
Especialistas são unânimes: a repressão é o principal caminho para que movimentos neonazistas não se disseminem ainda mais - e ganhem poder como as facções terroristas alcançaram em outros países, tornando-se um risco para a segurança do Estado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário