domingo, 27 de setembro de 2009


A sagrada aliança da Ultra-Direita


“O Deus do Islã não é nosso Deus e o Islã é uma religião muito maléfica e perversa.” Foram essas as palavras do reverendo Franklin Graham, em outubro de 2001.

O reverendo Billy Graham, sem dúvida o pregador mais respeitado do país, tinha o hábito de fazer afirmações igualmente pouco amenas, pastor - que desde a década de 50 era íntimo e orientador espiritual de todos os presidentes,e lembrou que sempre dera um apoio inequívoco ao Estado de Israel. O herdeiro de seu império de pregação não procurou atenuar seus propósitos anti-muçulmanos. Ao contrário, ampliou-os, na seqüência.

Pat Robertson o famoso tele-evangelista atacaria principalmente os muçulmanos: “Eles querem coexistir até o momento em que poderão controlar, dominar e depois, se necessário, destruir.” Em julho de 2002, o mesmo Pat Robertson recebia o prêmio Amigos de Israel, concedido pela Organização Sionista dos Estados Unidos.

Terreno fértil para religiosos reacionários

Esse interesse pelo Oriente Médio não é recente. Desde o século XIX, a região era uma terra de missão para inúmeras igrejas protestantes, dentre as quais algumas não viram com bons olhos a criação do Estado hebraico. Somente os grupos fundamentalistas - que faziam uma leitura literal dos textos sagrados - viam, na criação de Israel, a realização de profecias bíblicas. E, como no caso do pastor Billy Graham, o “sionismo cristão” poderia coexistir serenamente com o anti-semitismo, do qual às vezes se alimentava. O conflito do Oriente Médio, entretanto, estava longe de ser uma das principais preocupações dos pastores ou de suas ovelhas.

É preciso voltar ao fim da década de 1970 para compreender o crescimento do poder da direita cristã e sua aliança com Israel. As perturbações sociais, políticas e econômicas da época criaram um terreno fértil para os grupos religiosos reacionários, como a Maioria Moral, do pastor Jerry Falwell. Em Israel, o Likud, partidário do “retorno” a toda a terra de Israel (Eretz Israel, o Grande Israel) bíblica, finalmente chegara ao poder. Em 1978 e 1979, o reverendo Falwell foi à Terra Santa a convite do primeiro-ministro Menahem Begin. Entenderam-se tão bem que, em 1980, o pastor foi condecorado com a medalha Vladimir Jabotinsky (nome do fundador do sionismo “revisionista” e mentor de Begin).

Esses anos também foram marcados por tumultos na comunidade judaica norte-americana. Duas de suas figuras de proa, Irving Kristol e Norman Podhoretz, romperam com a tradição “liberal”,à qual os intelectuais judeus tinham estado ligados durante muito tempo, a volta aos “valores tradicionais”, o anticomunismo puro e rígido, e o apoio irrestrito ao Likud, os aproximaram, a partir daí, da direita cristã.

A eleição de Ronald Reagan em 1980 sacramentou essa aliança, passaram a fazer o papel de intelectuais da corte, enquanto o novo presidente nomeava, para seu gabinete, os fundamentalistas mais radicais. O secretário do Interior, James Watt, explicou que a poluição do planeta não deveria ser fonte de preocupação porque “a volta do Senhor está próxima”. E foi diante da Associação Nacional dos Grupos Evangélicos que o presidente pronunciou seu famoso discurso classificando a União Soviética de “Império do mal”.

Durante os anos Bush pai e Clinton, o recuo desses grupos foi apenas aparente: se eram menos visíveis,a direita cristã continuavam a exercer influência sobre o cenário político e ideológico.

American Israel Public Affairs Committee, a queda do comunismo eliminava um argumento de peso dos que apoiavam os movimentos anticomunistas na América Central (numerosos entre os fundamentalistas), bem como destruía o argumento geoestratégico em favor de Israel (“único Estado democrático e estável numa região ameaçada pela União Soviética”). O AIPAC começou, então, a arrebanhar mais longe: ao invés de concentrar seus esforços em Estados com grande população judia (Nova York, Califórnia, Flórida, Illinois), o lobby pró-israelense construiu alianças por todo o país, inclusive nos lugares onde a população judia era quase inexistente.

Ao longo dos anos Clinton, os escândalos do presidente, reuniram novamente AIPAC e direita fundamentalista numa liga da virtude, generosamente financiada e muito bem organizada.

Com a ajuda da febre do milênio, a eleição presidencial do ano 2000 marcou o grande retorno de Deus ao debate político. O candidato republicano, George W. Bush, declarou que seu filósofo político preferido era Jesus Cristo, enquanto seu rival, Albert Gore, anunciou que, antes de tomar uma decisão difícil, ele se perguntava: “Que faria Jesus?”. Escolhendo como companheiro de chapa o senador Joseph Lieberman, um judeu ortodoxo conhecido por seu discurso moralizador, agradou a todos os radicais.

Mas foram principalmente os atentados de 11 de setembro de 2001 que cimentaram a aliança entre os neo-conservadores e os fundamentalistas, ambos empenhados em fazer do “choque das civilizações” uma profecia auto-realizadora. O Islã era, de fato, designado como o novo império do mal. O discurso incansavelmente martelado pela mídia e retomado pela quase totalidade dos parlamentares norte-americanos adotava as teses do governo israelense: como Yasser Arafat é o “Bin Laden de Israel”, os dois países estão unidos num mesmo combate. Foram, aliás, os falcões mais próximos de Israel (tais como o secretário-adjunto da Defesa, Paul Wolfowitz, e o estrategista do Pentágono, Richard Perle) que idealizaram a atualização da doutrina de defesa: a partir de agora, os Estados Unidos irão proceder a ataques preventivos contra países capazes de se equiparem com armas nucleares, biológicas ou químicas - donde a urgência de uma “mudança de regime” no Iraque .

Todos os grandes nomes da direita cristã – Ralph Reed, Gary Bauer, Paul Weyrich etc. - engajaram-se na nova cruzada, com freqüência teleguiada por Israel. Foi o próprio Ariel Sharon, por exemplo, quem quis que o rabino Yechiel Eckstein, fundador do International Fellowship of Christians and Jews, recrutasse Ralph Reed, ex-presidente da Coalizão Cristã, para pregar a boa palavra: dessa forma, 250 mil cristãos enviaram a Israel mais de 60 milhões de dólares. A organização Christians for Israel/USA também financiou a emigração de 65 mil judeus a fim de realizar, segundo seu presidente, o reverendo James Hutchens, “o apelo de Deus, que consiste em ajudar o povo judeu a voltar e restaurar a terra de Israel".

A retórica do presidente Bush ( “quem não está conosco está com os terroristas”, “nós somos bons” etc.) favoreceu um discurso binário e maniqueísta que coincide com os esquemas de pensamento dos radicais. Segundo uma pesquisa recente do Time/CNN, 59% dos norte-americanos pensam que os acontecimentos descritos no Apocalipse vão ocorrer, e 25% acreditam que os atentados de 11 de setembro já eram anunciados pela Bíblia. Daí o extraordinário sucesso da série Left Behind (cinqüenta milhões de exemplares vendidos): dez volumes – que poderiam ser descritos como o meio caminho entre romance de futurologia e guia prático para o fim dos tempos, que pretendem oferecer as chaves dos mistérios do Apocalipse.

Em alguns meios fundamentalistas, a intransigência de Ariel Sharon e seu espírito bélico são recebidos com exaltação. E não foi sua visita – de pura provocação - do dia 28 de setembro de 2000, ao Monte do Templo (a Esplanada das Mesquitas) que desencadeou o ciclo de violência cujo fim está longe? Ora, segundo as Escrituras, é nesse lugar sagrado que será erguido o Terceiro Templo, prelúdio de sangrentas guerras escatológicas. Nessas condições, uma solução pacífica ou concessões territoriais poderiam comprometer, ou atrasar, a realização das profecias. Como salientou o pastor Hutchens:

“Não pode haver paz antes do advento do Messias.”

Apesar de sua aparente solidez, a aliança entre extremistas israelenses e fundamentalistas cristãos baseia-se num mal-entendido. O teólogo Harvey Cox afirma: “Se estivesse no campo israelense, eu seria extremamente prudente.” Realmente, a cronologia considerada pelos fundamentalistas tem motivos para preocupar:
  • primeiro as calamidades, os sofrimentos e as guerras;

  • depois, a reconstrução do Templo e a chegada do Anticristo;

  • e finalmente, o segundo advento do Messias

  • e o combate final, em Jerusalém, entre o Bem e o Mal.

  • Os justos serão então levados em “êxtase” para o céu.

  • Dois terços dos judeus serão convertidos, os outros serão eliminados ou condenados.

Para alguns, o fim do mundo está, aliás, mais próximo do que parece. Em janeiro de 1999, o reverendo Jerry Falwell declarava que o advento do Messias poderia ocorrer nos próximos dez anos. Afirmava, também, que o Anticristo já estava entre nós e que era “judeu e do sexo masculino” .

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