quinta-feira, 2 de abril de 2009

História do consumo de drogas
Perde-se nos tempos a tradição do consumo de drogas,cada povo e cada cultura vai tendo as suas. Umas vezes, o homem procurou nelas a nutrição física, outras, andou à cata de remédio para as suas doenças, outras ainda, para alimentar sonhos ou alcançar o transcendente, influenciar o humor, buscar a paz ou a excitação, enfim, simplesmente para abstrair do mundo que o cerca e o perturba em dado momento da sua existência. E um certo mistério que rodeava o templo de Eleusis, desde o século IV a. C. até à idade helénica, onde dominava o culto dos deuses Demétrio (com uma papoila a ornar as suas estátuas), Dionísio e Orfeu, foi perdurando numa aura mítica que agora a pouco e pouco se desfaz numa boa parte dos países…
No período dos impérios coloniais, as drogas foram usadas predominantemente como moeda de tr
oca, numa indiferença completa pelas consequências do seu uso para fins diferentes dos medicinais ou de medianeiras nos contactos com o transcendente.
Detenhamo-nos um pouco nas três principais drogas de origem natural: a planta da cannabis, o arbusto da coca e a papoila do ópio.
Ao olharmos para a planta da cannabis, cujo berço terá sido nas estepes da Ásia central, onde continua a crescer de modo selvagem, por exemplo no Kasaquistão e no Kirguistão , observa-se hoje que a sua destruição maciça pode brigar com aspectos ecológicos de recuperação de áreas desérticas, constata-se que a história da sua difusão universal se confunde com a das migrações.
Cultivada por causa das fibras, do óleo extraído dos seus grãos e como forragem para animais, cedo (2700 anos a. C.) se lhe reconheceram propriedades psicoactivas, nomeadamente como sedativo para tratamento da alienação mental na farmacopeia do imperador Chen nong. Os poderes estimulantes e euforisantes do cânhamo são elogiados num dos quatro livros santos dos indo-arianos (1300 a. C.). Após secagem e redução a pó, as sumidades floridas são misturadas nos alimentos ou bebidas. Um papiro egípcio do século XVI a. C. cita a planta entre as drogas sagradas dos faraós. No século IX a. C. é usada na Assíria como incenso.
O célebre historiador grego Heródoto dá conta da presença da planta ao norte do mar Negro, entre os rios Don e Danúbio, chamando a atenção para as semelhanças deste cânhamo com o linho, e do seu uso para vestuário. Conta mesmo como os povos nómadas que habitavam a região tomavam banhos de vapor provocado pelo lançamento das suas sementes sobre pedras incandescentes. E, curiosamente, acrescenta: «É o único banho que conhecem pois jamais lavam o corpo inteiro com água.»
A sua cultura na Europa ocidental é conhecida nos séculos I e II, pois os romanos utilizam-na para os cordames dos seus navios, importando-a da Gália onde crescia em abundância.
Usada como euforisante nos banquetes, alertava, porém, o médico Galien contra o abuso da erva (na pastelaria) pois prejudicaria o cérebro quando tomada em excesso.
Considerada como a erva da mediação com os deuses — o bhang —torna-se indissociável da meditação da casta sacerdotal dos brâmanes (religião hindu). Ainda no seio das religiões, uma lenda diz que o próprio Buda, durante as sete etapas do percurso que o conduziu à iluminação, viveu de um grão de cânhamo por dia.
Para não fugir a esta atracção, a partir do século vii também o islamismo contribui para a propagação da cannabis, conhecida a partir do século XIV sob o nome de haxixe, isto é, erva em árabe.
Tristemente afamada, a crer no testemunho de Marco Polo, nos séculos xi a xiii, na Pérsia setentrional, Iraque e Síria, foi a seita dos «haschischans», a qual praticava o assassinato político contra o poder sunita de Bagdad, após a ingestão de uma bebida que proviria da cannabis.
A viagem da planta para a África começa pelo Egipto, no fim do século xii, onde o seu uso recreativo atinge todas as classes sociais, e depois de ser levada a todo o mundo muçulmano, estende-se pela África negra através dos comerciantes que vão implantando entrepostos pela costa Este, aparecendo na África do Sul em meados do século XV, agora sob o nome de dagga.
Provavelmente terão sido os portugueses, através dos escravos africanos idos de Angola para o Brasil, que introduziram a cannabis na América (liamba em Angola, riamba ou marimba no Brasil). Todavia, foi na Jamaica, pela mão dos ingleses, que a sua cultura (com a designação de ganja) se intensificou para a obtenção de fibras. Das Caraíbas para o México foi um salto, onde é rebaptizada sob o nome mais vulgarizado, a marijuana.
Na história do arbusto da coca e da folha da coca, cuja produção tem sido um quase monopólio dos países andinos, especialmente da Bolívia e do Peru, os gérmens conhecidos do seu consumo tradicional remontam a cerca de 5000 mil anos atrás. O hábito da mastigação da folha de coca tem acompanhado a vida das populações daquela região nas suas funções laborais, sociais e de manifestação ritual. Mas aparece ligado particularmente ao alívio do esforço físico e mental provocado pelo trabalho em altitude (no planalto).
Com a colonização espanhola e a exploração das minas, a mastigação da folha de coca continua a desempenhar o seu papel de refrigério do cansaço e de lenitivo para a submissão às duras imposições desse trabalho.
Em tempo de guerra, nomeadamente com o irromper das independências, a partir do início do século XIX, a folha de coca permite aos combatentes de ambos os lados suportar a fadiga e os rigores do clima. E o domínio sobre o cultivo e o mercado da folha de coca andou muitas vezes paredes meias com as conquistas realizadas.
Apesar do fervor religioso do clero, que no início da colonização (século XVI) advogava a sua erradicação, por ver na folha de coca osímbolo das crenças autóctones, o «talismã do diabo», o seu cultivo persistiu dado o valor económico que representava, a ponto de não apenas a Coroa espanhola cobrar tributo sobre a mesma, como a própria Igreja dela arrecadar o dízimo.
Na verdade, os depósitos de folha de coca e de produtos alimentares permitem socorrer os indigentes, aprovisionar o exército, a população em períodos de fome e a mão-de-obra para os grandes trabalhos.
Como é sabido, a cocaína é um alcalóide (isolado por Niemen por volta de 1860) extraído das folhas da coca (Erythroxilon coca), à qual o próprio Freud dedicou grande atenção pelas suas propriedades anestésicas e de acção psíquica.
Mas muito para lá do seu uso clínico, ao que parece hoje reduzidíssimo , o emprego da cocaína como substância recreativa renasce ciclicamente e não apenas entre os aristocratas ou os executivos mas em outros estratos sociais .
Contrariamente à ideia mais difundida sobre a proveniência oriental do ópio, os vestígios mais antigos conhecidos (4200 a. C.) — objectos que terão servido para queimar ópio e sacos de cápsulas , foram encontrados na gruta funerária de Albuñol, perto de Granada, em Espanha.
No Médio-Oriente, a papoila do ópio era conhecida pela «planta da alegria». E as suas grinaldas perpassam pelas coroas dos deuses da mitologia grega (Morfeu sacode as papoilas todas as noites sobre os mortais a fim de lhes proporcionar repouso e esquecimento).
Propriedades medicinais são-lhe atribuídas por Hipócrates (século V a. C.), e Aristóteles, preceptor de Alexandre o Grande, indica-a como calmante e somnífero, a par das virtudes mágicas e religiosas.
Terão sido os gregos que levaram a papoila para a Ásia central e Índia.
Até ao século XVI, na Europa o ópio caminha na fronteira entre a fitoterapia e o elixir de feitiçaria; mas com o Renascimento é integrado na farmacopeia (Paracelso usa-o em numerosas preparações).
A história mais recente do ópio liga-se com a saga quinhentista dos descobrimentos portugueses e as novas rotas comerciais que são abertas a partir da Índia, reestruturando um espaço comercial outrora ocupado pelos árabes e chineses, no qual as especiarias predominam. Massão os holandeses — numa colonização dominada por razões estritas de proveito económico — e depois especialmente os ingleses, que vão apropriar-se do comércio do ópio a nível mundial.
Depois de se assenhorearem de uma das principais regiões produtoras de ópio na Índia (Patna), e perante o forte défice comercial da «East India Company», que tinha de comprar o chá e a seda à China por troca com os tecidos de algodão indiano ou então em dinheiro — a China acabava por vender mais do que comprava —, os ingleses encontraram na venda de ópio as divisas chinesas que lhes faltavam. O monopólio anglo-indiano do ópio, a partir de
1775, inunda a China e não cessa de progredir apesar da interdição do seu consumo (em 1800) neste último país.
Nem o apelo directo do Imperador Lin-Tso-siu à Rainha Victória para que a Inglaterra terminasse com o contrabando evitou as denominadas «guerras do ópio».
Observa-se, pois, que o homem utiliza substâncias químicas há bastante tempo, nas mais variadas culturas e em todos os contextos (econômico, social, religioso, ritualístico, psicológico e cultural). O seu maior uso hoje se deve ao fato de ser uma "válvula de escape" , um meio de evitar o sofrimento ou buscar a felicidade, daí terem se tornado tão populares e usadas com muita intensidade como nunca se viu em época alguma.

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