sexta-feira, 17 de abril de 2009

A LITERATURA E AS DROGAS

Carlos César Arana Castaneda nasceu em 1935 no estado de São Paulo. Estudou na Argentina e partiu para Los Angeles co o intuito de estudar antropologia na Universidade da Califórnia. Na década de sessenta do século passado, iniciou no estado americano do Arizona e no mexicano de Sonora as pesquisas e aprendizados narrados em vários livros.
A Erva do Diabo, publicado em 1968, no qual é apresentada a figura de Don Juan Matus, guia de Castaneda. O trabalho inicial deste referia-se às plantas de uso medicinal utilizadas pelos índios daquelas localidades. Contudo, apresentado no Arizona a Don Juan, o antropólogo embrenhou-se pela gnosiologia. O título original da obra é justamente The Teachings of Don Juan.Don Juan Matus é o nome fictício do índio yaqui originário de Sonora, México. Como o discípulo, seu passado também não é revelado além do admitido por ele mesmo. Um nome não deve ser repetido aleatoriamente, e se conhecido, gera poderes sobre o nomeado.
Don Juan, deve-se verificar não ser ele nenhum santo ou, naqueles dias, uma lenda viva. Posteriormente, sim, ganhou certa aura mística, quando na verdade apenas elegeu um aluno para transmitir, de forma perceptivelmente séria, antigos e importantes ensinamentos de seu povo. É bom frisar que o próprio Castaneda iniciou suas investigações com a finalidade de registra-los antes que se perdessem.O livro divide-se em duas partes. A primeira é a seleção e organização dos ensinamentos. Conforme Castaneda, as repetições foram suprimidas e os assuntos dispostos n'um sistema, inda que violada a cronologia. É a parte mais fluente, incluindo até cenas cômicas com um cão. Na segunda parte todo o aprendizado e as conclusões são expostos cientificamente, pois deve-se lembrar da destinação universitária desta obra.Na primeira parte, Don Juan tem por escopo levar seu aluno à aquisição de conhecimentos, aquisição esta acompanhada n'um primeiro instante por plantas alucinógenas: "No contexto específico de seus ensinamentos, dom Juan associava o uso da Datura inoxia e da Psilocybe mexicana para a aquisição do poder, um poder que ele denominava 'aliado'. Associava o uso da Lophophora williamsii à aquisição da sabedoria ou o conhecimento da maneira certa de viver". Este poder aliado e conceituado mais adiante: "Um 'aliado', disse ele, é um poder que o homem pode introduzir em sua vida para ajudá-lo, aconselhá-lo e dar-lhe a força necessária para executar atos, grandes ou pequenos, certos ou errados. Este aliado é necessário para realçar a vida de um homem, orientar suas ações e aumentar seus conhecimentos".Peiote é o nome popular da Lophophora williamsii, um cacto do qual se extrai a mescalina, mescal ou mescalito. Esta substância é utilizada desde épocas imemoriais em rituais religiosos na América Central e Sudoeste dos Estados Unidos. Não existe no Brasil. Embora eu ainda não os tenha lido, são muito citados os ensaios de Aldous Huxley sobre sua experiência com esta droga: Portas da Percepção e Céu e Inferno.Datura é o nome usado por várias plantas solanáceas — dicotiledôneas gamopétalas, i.e. Pétalas soldadas
— consistentes em árvores e arbustos venenosos, dentre os quais destaca-se por seu maior grau o estramônio ou figueira do inferno. Nativa da América do Norte, todas as suas partes contêm quantidades significativas de atropina e escopolaminas, além dos compostos relacionados.O cogumelo provavelmente utilizado por Don Juan é o Psylocybe mexicana, o "cogumelo sagrado", do qual se extrai a psilocina. Aproveitado nos ritos pelos nativos daquele trecho da América. No Brasil, há o Psylocybe cubensis e uma espécie do gênero Paneoulus. Todas estas plantas são chamadas "divinatórias", pois acreditavam os usuários ancestrais que elas colocavam o feiticeiro em condições de dizer o futuro. Os efeitos dos alucinógenos são os descritos por Castaneda: grande excitação cerebral, visões coloridas, sonhos agradáveis, sensações inusitadas, êxtases profundos, impressão de viver n'outro plano e algum desconforto físico ao retornar à lucidez.O que denominamos "alucinação", Don Juan acreditava ser um "estado de realidade não comum", no qual tencionava adquirir sabedoria. Lastimável. "Alucinação" significa desvario, falta de razão; é a interpretação como real de algo irreal. Difere da ilusão por esta ser uma percepção errônea, por meio de sentidos perfeitos, de algo real — ilusão de óptica. Dispensa comentário o ato de valer-se alguém da alucinação para entender o real. Pobre ser humano, incapaz de lidar sequer com a realidade em que vive, busca outros "níveis" e mais se perde do que se esclarece. Conhecimento exige esforço e perseverança, trabalho ininterrupto e dedicado.É relevante assinalar que Castaneda não estimulou o uso indiscriminado de qualquer alucinógeno. Se mudou de opinião, ignoro, mas na entrevista concedida à revista Veja - número 356 ano 1975 — ele afirma ser mínimo e provisório o uso dessas substâncias apenas até o aprendiz conseguir atingir sozinho o estado ou realidade procurados. Oxalá nenhum adolescente cisme de ler o livro e tentar alguma experiência por conta própria, a despeito dos detalhes fornecidos. Pode tornar-se ainda mais cretino ao invés de adquirir algum conhecimento efetivo. Perceba-se que eu não critico Don Juan, transmissor de conhecimentos ancestrais de seu povo, nem Castaneda, que ao menos nesta obra, relatou o que viu e analisou os fatos segundo o programa da instituição a que pertencia. O que observo é a atitude de algumas pessoas que, apesar das toneladas de informações disponíveis, resolvem realizar viagens de regresso doloroso ou mesmo inexistente e encastelam-se em suas fantasias. Buscam atalhos para algo que nem sabem definir numa primeira abordagem. Querem a "realidade superior", mas insistem em não reconhecer a amplitude da realidade em que estão mergulhadas.Ao começo deste ano a mesma revista trouxe uma reportagem intitulada Literatura Tóxica, a respeito do então recém-lançado The Road Of Excess, livro de autoria do crítico inglês Marcus Boon. Nesta obra são elencados escritores que trabalhavam em estado de alienação provocada, ou eram notórios usuário de álcool e outras drogas lícitas ou ilícitas, valendo-se ou não da desculpa de buscar uma "realidade superior". Já citei, em minha coluna sobre Surrealismo, as experiências de André Breton e partidários. Há que diferenciá-los dos demais: Breton queria saber, através de experiências acompanhadas, como seria a produção artística desvinculada da razão e da lógica. Sumária a minha opinião sobre este assunto: se o indivíduo for um gênio, sê-lo-á apesar do uso de entorpecentes. Se for uma besta, continuará sendo. E com o risco de piorar. Ricardo de Mattos

Literatura tóxica

Dos poemas sobre o ópio aos romances sobre o ecstasy, como os escritores se relacionaram comas drogas nos últimos 200 anos

Empregada originalmente como anestésico para cavalos, a ketamina transformou-se em Special K, uma droga popular nas raves, aquelas festas que duram até de manhã e são movidas a música tecno. Seu efeito mais marcante é produzir breves estados de apagão, durante os quais os usuários são sugados para o que chamam de "dimensão K". Ainda não se conhece nenhum poema ou ficção que trate dessa experiência, mas o crítico inglês Marcus Boon não tem dúvida de que eles logo surgirão, assim como já existem romances sobre o ecstasy. "Neste momento, algum adolescente está escrevendo um romance com o título Dimensão K", afirma ele. E isso acontece porque 200 anos de escrevinhação inspirada pelas drogas ou a respeito delas acabaram por consolidar um gênero literário. Em The Road of Excess (A Via do Excesso), Boon reconta a história desse gênero de maneira inovadora e cativante, apesar de acadêmica. Recém-lançado nos Estados Unidos, o livro aborda textos famosos e outros nem tanto, assim como fala de viciados confessos e de autores que preferiram não se alongar sobre suas experiências com substâncias clandestinas.
O fundador da literatura tóxica, diz Boon, foi o inglês Thomas De Quincey, que, em 1821, publicou Confissões de um Comedor de Ópio. Depois dele, outras figuras registraram suas viagens. O francês Charles Baudelaire criou a expressão "paraísos artificiais" em 1860, para descrever o estado induzido pelo haxixe e pelo láudano. Seu conterrâneo Henri Michaux, já no século XX, explorou os efeitos da mescalina. O alemão Walter Benjamin filosofou sobre o haxixe. O romancista inglês Aldous Huxley fez testes com psicodélicos. E os beats americanos, como Jack Kerouac e William Burroughs, banquetearam-se num verdadeiro smorgasbord de substâncias. Boon, no entanto, não se limita às figuras mais conhecidas.
The Road of Excess mostra que, se De Quincey inaugurou o discurso literário sobre as drogas, anteriormente já havia autores bastante íntimos delas. No século XVII, por exemplo, o poeta inglês John Dryden zombou em versos de um dramaturgo adversário por seu vício em ópio – um "remédio" que o crítico Dr. Johnson, na mesma época, também usava. Os românticos ingleses Keats, Byron e Shelley foram consumidores ocasionais do láudano – ao passo que seu colega Samuel Coleridge viciou-se realmente, de 1790 até sua morte, em 1834. Seu poema Kubla Khan, de 1816, é antecedido de uma nota que revela como "um sono induzido por droga" levou à composição. Na Alemanha, o poeta Novalis (1772-1801), apreciador do ópio, especulava filosoficamente sobre seu uso na criação de "um novo corpo". E até o extraordinário Goethe, uma das maiores figuras do século XVIII, pode ter dado um tapinha no haxixe – segundo um manuscrito descoberto recentemente na Áustria.
Marcus Boon também discute casos pouco explorados do período "pós-De Quincey". Um dos mais interessantes é o do francês Marcel Proust, autor de Em Busca do Tempo Perdido, um monumento literário modernista. Acometido de asma e problemas do sono, desde a adolescência ele tomou coquetéis que incluíam barbitúricos, ópio, morfina, heroína e éter. Embora louve a maneira como Proust refletiu, por exemplo, sobre o problema da percepção do tempo, a crítica até hoje negligencia o fato de que seu corpo "estava sempre inundado de substâncias que produzem exatamente as reações cognitivas descritas em seus livros". Outro exemplo curioso é o do filósofo Jean-Paul Sartre. Nos anos 50, ele se entupia de anfetaminas. Isso resultou num estilo palavroso e desordenado de escrita, e em obras virtualmente impenetráveis como Crítica da Razão Dialética e Saint Genet. Além desses estimulantes, Sartre também fez uso de um psicodélico, a mescalina. Seus co
legas pensadores Martin Heidegger e Michel Foucault o imitaram nesse ponto, embora tenham preferido o LSD.
Segundo Marcus Boon, drogas diferentes produziram diferentes efeitos literários. Narcóticos como o ópio deram origem a uma espécie de gnosticismo – a crença de que o homem está preso num mundo corrompido, e de que a droga proporcionaria o vislumbre de um outro universo, autêntico, onde reside a verdade. O haxixe engendrou utopias de transformação social. Os psicodélicos ficaram associados a experiências esotéricas. Já os estimulantes, como a cocaína, são as drogas menos ligadas a idéias de transcendência ou espiritualidade. Desde cedo, elas foram tão-somente "ferramentas de trabalho" – a imagem clássica é a do beat Jack Kerouac ligadíssimo, datilografando dia e noite o romance Na Estrada num rolo de papel de parede. O poeta inglês W.H. Auden era outro que recorria a anfetaminas para trabalhar. Mas, nesse campo, ninguém bate o escritor de ficção científica Philip K. Dick, autor de Minority Report. Ele estava em permanente excitação química. Os estimulantes parecem ter-lhe sugerido vários personagens que são homens-máquina – e alguns que não sabem se são deuses ou aleijões.
Em momento nenhum Marcus Boon defende o uso de drogas. Pelo contrário, ele combate a idéia de que elas conduzam a uma experiência estética. Criada pelos românticos, e associada depois aos temas da rebeldia e da transgressão, essa idéia seria responsável por boa parte da mística em torno dos tóxicos. De fato, a leitura de The Road of Excess faz duvidar muito da capacidade das drogas de transformar alguém em artista. De Paraísos Artificiais, de Baudelaire, a Trainspotting, do escocês Irvine Welsh, passando por Uivo, do beat Allen Ginsberg, escritores chapados produziram alguns bons textos, mas nenhuma obra-prima – a menos que se queira creditar toda a produção de Proust ao éter ou à morfina. Mais ainda. "Desde 1950 não há avanços na literatura sobre narcóticos", escreve Boon. "Os mesmos relatos confessionais de vício e desintoxicação continuam sendo escritos. Os ambientes são diferentes, mas a história é a mesma: prazer, sofrimento, redenção ou perda.

Como diria o doidíssimo William Burroughs, no fundo "nunca acontece nada no mundo das drogas".
Carlos Graieb

Um comentário:

  1. eae companheiro marcos, add meu blog tambem na sua lista de indicação de blogs...
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    um abraço...
    gostei muito do teu blog

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